Símbolo da seca e da miséria, o cacto está na base de uma revolução produtiva no Semiárido nordestino. Um projeto em curso pretende transformar o farelo da palma, vegetal da família cactácea, em uma opção viável para a alimentação de animais. A meta é produzir em larga escala e fazer do produto uma commodity do tipo exportação, no mesmo patamar do milho e da soja. O desenvolvimento do farelo integra uma parceria entre a Sudene e a Universidade Federal da Paraíba. Resistente aos longos período de estiagem, além de concentrar um alto valor nutritivo, a planta é uma importante forragem para a pecuária, por ser fonte de energia e hidratação para a criação. Outra vantagem é o baixo custo, dada a abundância do vegetal na região.
A palma in natura tem sido utilizada como substituto parcial do milho e do farelo de soja nas dietas de vacas leiteiras, caprinos e ovinos no Nordeste, uma forma de reduzir os gastos com a alimentação desses animais, pois o custo das rações chega a representar 70% das despesas totais com um rebanho. Os estudos preliminares indicaram que o farelo é mais eficiente e prático e também pode ser usado na dieta de porcos, aves e cavalos. “É possível aumentar a resiliência dos rebanhos na produção de carne e leite, já que o Semiárido é responsável por boa parte da produção nacional de leite caprino e de carne de pequenos ruminantes, e diversificar a base alimentar do rebanho brasileiro, reduzindo a dependência de milho e soja”, afirma Danilo Cabral, superintendente da Sudene. “É uma oportunidade de estimular as cadeias produtivas regionais, descentralizando a agropecuária do Centro-Sul, além de atender aos programas de alimentação animal sustentável, de baixa emissão de carbono.”
O projeto para transformar a palma em commodity faz parte do Programa InovaPalma, lançado em 2023, com investimento inicial de 7,5 milhões de reais da Sudene em pesquisas e produção. Em março deste ano, outros 6 milhões de reais foram anunciados para o fortalecimento da cadeia produtiva, com o objetivo de expandir o cultivo da planta, fomentar o processamento e reduzir a vulnerabilidade dos rebanhos na região. A ideia é instalar 15 campos de palma forrageira, qualificar produtores experimentadores para se tornarem agentes multiplicadores, distribuir ao menos 8 milhões de cladódios-semente por ano e realizar a capacitação de agricultores nos nove estados do Nordeste e em Minas Gerais, cobrindo toda a área do Semiárido. Serão plantados ainda 4 hectares de palma em sistema de cultivo intensivo e construída uma unidade de secagem do vegetal. Para o processamento da planta será instalado um centro de armazenamento, com capacidade para 160 toneladas de farelo.
A Sudene prevê investimentos de cerca de 14 milhões de reais na cadeia produtiva
“Um dos maiores desafios da pecuária regional é a garantia da segurança alimentar dos rebanhos, principalmente nos períodos de estiagens prolongadas, quando a demanda por alimentos para os animais aumenta significativamente e, paradoxalmente, ocorre uma drástica redução na oferta de forragens, tanto em quantidade quanto em qualidade. O desenvolvimento desse projeto vai abrir novos caminhos para a produção agrícola e pecuária no Semiárido. A palma é uma planta adaptada à região, cujo cultivo e manejo são amplamente conhecidos pelos produtores, apresenta um interessante valor energético e possui o potencial de se tornar, no futuro, uma commodity para o Brasil e o mundo”, ressalta Geovergue Medeiros, pesquisador do Insa.
Aíldo Sabino, engenheiro agrônomo da Sudene e coordenador do projeto, explica que o método do plantio vai garantir a qualidade da geração, cultivo e comercialização do produto. “Toda grande cultura, como a soja, o milho e o algodão, tem base sólida do sistema de cultivo. O agricultor, quando vai produzir essas plantas, sabe qual a quantidade de adubo tem de pôr, qual o espaçamento adequado, a mecanização. E, nesse aspecto, a palma ainda estava num nível tecnológico muito baixo”, diz. A partir dessa constatação, prossegue, a Sudene criou o InovaPalma para garantir a sustentabilidade e previsibilidade financeira das ações. Segundo o agrônomo, transformar a palma em farelo foi a alternativa para viabilizar o vegetal do ponto de vista mercantil. Isso porque a planta contém uma grande quantidade de água, em torno de 90% da sua composição. “Por ter muita água, ela fica pesada, o que inviabiliza o transporte em longas distâncias, comprometendo a logística do produto.”
Por conta da necessidade de industrialização na produção de palma, o empresário paraibano Fabiano Dias desenvolveu uma colheitadeira, que funciona acoplada a um trator. Além de colher o vegetal, a máquina tem a tarefa de transportá-lo por uma esteira até o vagão forrageiro, que faz a trituração do produto, indo direto para os cochos de alimentação dos animais. “Esse processamento agrega valor ao produto, por conseguir desidratar a palma e diminuir o peso a 10% do que seria. Isso passa a ser um novo produto de exportação para o Semiárido nordestino”, destaca Sabino. O objetivo é exportar para mercados como a China, a Índia e os Estados Unidos, os mesmos destinos da soja e do milho. “Temos muita área ociosa e improdutiva no Sertão. Esperamos que se crie um novo mercado a partir da palma e que a iniciativa possa trazer desenvolvimento para a região, com toda uma indústria para recepcionar o produto final.” •
Publicado na edição n° 1358 de CartaCapital, em 23 de abril de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Nova commodity’
Por:Carta Capital