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sexta-feira, 9 maio, 2025
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Fusível descartado – CartaCapital

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O fusível foi trocado, mas a pane governista persiste. Mesmo sem ter sido citado nas investigações da Polícia Federal sobre o esquema de descontos indevidos em benefícios do INSS, o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, não conseguiu oferecer respostas satisfatórias sobre a demora para tomar providências e impedir os bilionários desvios identificados. Após nove dias de fritura, o pedetista pediu demissão na sexta-feira 2. Logo após a amarga conversa com o aliado de mais de duas décadas, Lula apressou-se em convidar o ex-deputado Wolney Queiroz, então secretário-executivo da pasta, para assumir o cargo. Uma edição extra do Diário Oficial da União oficializou, no mesmo dia, a exoneração de Lupi e a nomeação de Wolney – tudo resolvido rapidamente, em questão de horas.

A pressa do presidente em dar uma satisfação à sociedade é justificável. Estima-se que o esquema tenha desviado 6,3 bilhões de reais de aposentados e pensionistas entre 2019 e 2024. Embora o governo Lula tenha assumido certo protagonismo na investigação do escândalo – as revelações são fruto de uma longa apuração da PF e da Controladoria-Geral da União, dois órgãos subordinados ao Executivo –, pesou o fato de ­Lupi ter sido alertado sobre as suspeitas de fraude muito antes, em meados de 2023, sem tomar medidas concretas para conter os desvios até março do ano seguinte. Somente então o INSS passou a adotar novas regras para autorizar os descontos em folha, exigindo termos de adesão, biometria e documentos de identificação. Ainda assim, as cobranças indevidas continuaram ao longo dos meses, atingindo a impressionante cifra de 2,6 bilhões de reais em 2024, aumento de 273% em relação ao último ano de Jair Bolsonaro.

Alerta. À espera de ressarcimento, beneficiários passaram a ser assediados por golpistas – Imagem: Hélvio Romero/Estadão Conteúdo

Foi um prato cheio para a oposição. Rapidamente, deputados bolsonaristas coletaram as assinaturas necessárias para pedir a instalação da “CPI do Roubo dos Aposentados” na Câmara. Ainda que as fraudes tenham começado na gestão de Michel Temer e se amplificado no governo Bolsonaro, quando o INSS foi loteado pelo Centrão e abriu as portas para uma miríade­ de entidades inidôneas, eles buscam a todo custo associar o escândalo à imagem de Lula, que vinha apresentando uma tímida recuperação da popularidade no início de abril. É possível que todo o esforço para domar a inflação dos alimentos e melhorar a comunicação do governo, a partir da nomeação do ministro Sidônio Palmeira, tenha se perdido em meio à massiva campanha bolsonarista que retrata o presidente da República como um “ladrão de velhinhos” nas redes sociais.

Autor do pedido de CPI, o deputado Coronel Chrisóstomo, do PL de Bolsonaro, intensificou a pressão pela demissão de Lupi ao protocolar o requerimento para instalar a comissão. “Não dá para uma CPI investigar com ele dentro do ministério, fazendo seus acordos contra as investigações. Minha sugestão é que o ministro peça para sair”, afirmou na quarta-feira 30, dois dias antes da capitulação do pedetista. Como o deputado Mário­ Heringer, líder do PDT na Câmara, havia antecipado, o partido decidiu deixar a base do governo após a demissão de Lupi. “Não entramos em caminho de vingança. Nossa posição é de independência”, esclareceu. Já Ciro Gomes, presidenciável do PDT nas eleições de 2018 e 2022, acusou Lula de sacrificar um aliado que não está sendo acusado de corrupção, e sim de suposta omissão ou falha administrativa: “Sabe para que serve um fusível na casa? Quando a tensão dá um pico, ele queima para proteger a fiação”.

A oposição coletou as assinaturas necessárias para a criação de uma CPI

Curiosamente, Heringer acrescentou que a bancada do PDT apoia a instalação da CPI, desde que fique expresso que ela investigará os malfeitos identificados pela PF e pela CGU desde 2018 – e não apenas durante a gestão de Lupi. Na prática, isso significa que diversos integrantes do alto escalão do governo Bolsonaro, responsáveis pelas nomeações de presidentes do INSS, poderão ser convocados a prestar esclarecimentos. Entre eles figuram o senador Rogério Marinho, ex-secretário da Previdência; Onyx Lorenzoni e José Carlos Oliveira, ex-ministros do Trabalho e da Previdência; e até mesmo Paulo Guedes, o “Posto Ipiranga” do ex-presidente.

Gleisi Hoffmann, ministra das Relações Institucionais, expôs nas redes sociais as digitais do ex-ministro na trama: “Assim que assumiu o governo, Bolsonaro extinguiu o Ministério da Previdência e jogou o INSS ao comando de Paulo Guedes. No mesmo ano, 2019, começou a ser montado um esquema de associações para desconto em folha nos benefícios de aposentados e pensionistas. Por meio de lei, Bolsonaro impediu que, até o último dia do seu governo, os descontos fossem auditados para identificação de irregularidades. O esquema cresceu e beneficiou muitos corruptos”.

Movimentos. Coronel Chrisóstomo mobiliza a claque bolsonarista. Waller Júnior elabora plano para ressarcir as vítimas do esquema – Imagem: Marcos Oliveira/Agência Senado e Kayo Magalhães/Agência Câmara

Por ora, o presidente da Câmara, Hugo Motta, tem refreado o ímpeto da oposição. Em várias ocasiões, o deputado do Republicanos lembrou que existem “12 pedidos de CPI na frente”, sinalizando que não está disposto a furar a fila. Não por acaso, os bolsonaristas fizeram um esforço adicional para coletar assinaturas de senadores para a instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Neste caso, caberia ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, do União Brasil, decidir sobre o início dos trabalhos.

Ao contrário do presidente da Câmara, Alcolumbre ainda não se manifestou sobre o tema. O senador acabou de emplacar o nome do novo ministro das Comunicações, Frederico Siqueira Filho, ex-presidente da Telebras. Fred, como é conhecido, entrou no lugar de Juscelino Filho, que entregou o cargo após a Procuradoria-Geral da República denunciá-lo por desvios em emendas parlamentares, um escândalo que remete ao perío­do em que era deputado federal – logo, sem relação com o atual governo. Mas a nomeação do apadrinhado não satisfez o apetite de Alcolumbre. Ele também negocia a indicação de diretores de agências reguladoras e faz campanha pela demissão do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, seu desafeto. O pedido da CPMI do INSS só aumenta o poder de barganha de Alcolumbre.

A bancada do PDT na Câmara deixou a base do governo e declarou “posição de independência”

A demissão de Lupi foi precipitada por um gesto de Lula. Dois dias antes, o presidente anunciou o novo presidente do INSS sem a participação do então ministro da Previdência. À frente do instituto, o procurador federal Gilberto Waller Júnior tem a difícil tarefa de organizar o ressarcimento dos beneficiários lesados. Seu antecessor, Alessandro Stefanutto, e outros cinco servidores do INSS foram afastados no momento em que a operação da PF e da CGU cumpria mais de 200 mandados de busca e apreensão. O grupo é suspeito de receber propina para facilitar a atuação dos fraudadores, que descontavam valores mensais de aposentados e pensionistas sem o conhecimento das vítimas, como se fossem contribuições a associações representativas. Essas entidades alegavam oferecer assistência jurídica e vantagens em planos de saúde ou seguros funerários, mas verificou-se que muitas delas nem sequer tinham estrutura para prestar tais serviços. Pior, auditores da CGU entrevistaram 1.273 beneficiários do INSS e constataram que 97,6% deles não haviam autorizado os descontos associativos.

Na terça-feira 6, Waller Jr. esclareceu que os valores descontados em abril serão devolvidos agora, em maio, diretamente no pagamento dos benefícios. Nada de Pix nem de depósito em conta – o novo presidente do INSS não quer deixar brechas para a atuação de golpistas, que andam assediando aposentados desavisados. O problema é como viabilizar a restituição dos valores desviados nos meses e anos anteriores. O governo estuda realizar o reembolso de uma só vez, a partir de um calendário predefinido, que leve em conta a data do aniversário dos beneficiários. O Executivo arcaria com os custos e, depois, cobraria judicialmente das entidades fraudadoras o ressarcimento aos cofres públicos. Um dos entraves é a comprovação de que os descontos associativos foram efetivamente feitos sem o consentimento dos segurados.

Desvios. Os descontos ilegais somam mais de 6 bilhões de reais, estima a PF – Imagem: Polícia Federal

Lula pretendia anunciar o plano de ressarcimento antes de embarcar, na noite da terça-feira 7, para uma viagem oficial à Rússia e à China. A Secretaria de Comunicação da Presidência não descarta a possibilidade de o anúncio ser feito sem a presença do chefe do Executivo. Até a conclusão desta reportagem, o governo ainda não havia apresentado as medidas.

É possível que este seja o primeiro grande teste do novo titular da Previdência. Wolney Queiroz assumiu o cargo sob muitas contestações, a começar pelo fato de ter sido o número 2 de Lupi na pasta. A oposição bolsonarista também explora à exaustão o fato de o novo ministro ter sido um dos autores do texto que, em 2021, adiou o prazo de fiscalização dos descontos de mensalidades de associações e sindicatos na folha do INSS. À época, ele era deputado federal e líder da bancada do PDT na Câmara. Wolney foi um dos signatários de uma emenda que prorrogou a obrigatoriedade de revalidação anual desses descontos, prevista em uma Medida Provisória editada por Jair Bolsonaro. No ano seguinte, uma nova lei aprovada pelo Congresso e sancionada pelo então presidente retirou de vez da legislação a exigência de revalidação periódica. •

Publicado na edição n° 1361 de CartaCapital, em 14 de maio de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Fusível descartado’





Por:Carta Capital

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