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terça-feira, 27 maio, 2025
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Brasil mira União Europeia, mas aplica diferente

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A influência das regras europeias sobre a regulação da internet ao redor do mundo segue forte, mas já não é mais incontestável. Um exemplo relevante é o caso brasileiro, que tem seguido os passos da União Europeia com sua Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e agora com a proposta de uma Lei de Mercados Digitais. No entanto, a forma como o Brasil aplica essas inspirações revela caminhos distintos.

Essa análise é feita por Miguel Otero-Iglesias e Gonzalo Rodríguez Gordo, pesquisadores da IE University, em artigo publicado no The Conversation. Segundo eles, embora haja uma proximidade regulatória entre os dois blocos, o contexto político, econômico e institucional do Brasil impõe diferenças significativas — o que pode impactar diretamente o futuro da regulação digital global.

Da LGPD ao “DMA brasileiro”

  • Os pesquisadores apontam que a União Europeia sempre se destacou como uma “potência normativa”, capaz de influenciar legislações em outras partes do mundo sem recorrer ao poder militar.
  • “Durante anos, esse ‘Efeito Bruxelas’ tem funcionado no âmbito digital”, escreveram.
  • A LGPD brasileira é um reflexo direto do Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) da UE.
  • Agora, o Projeto de Lei 2768/2022, conhecido como “DMA brasileiro”, espelha a Digital Markets Act europeia ao buscar limitar práticas anticompetitivas de grandes plataformas digitais.
  • A própria relatora da proposta, deputada Any Ortiz, já afirmou que o Congresso acompanha de perto como o DMA está sendo aplicado na Europa para embasar a discussão local.
Cadeado com miniatura de bandeira da União Europeia sobre mapa da Europa para ilustrar Lei dos Serviços Digitais, DSA
As regras da União Europeia serviram e ainda servem de inspiração para leis brasileiras (Imagem: Ivan Marc / Shutterstock.com)

Alinhamento inspirado, mas com adaptações

Apesar da inspiração clara, os autores alertam que o Brasil segue um caminho diferente na prática. O texto brasileiro se aplica a um número muito maior de empresas, incluindo startups, devido a um limite de receita mais baixo e à ausência de uma definição clara de “poder de controle de acesso significativo”.

Além disso, diferentemente da Europa — onde as autoridades de concorrência lideram a fiscalização —, no Brasil, a supervisão caberá à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Para os pesquisadores, isso “expande o escopo regulatório e levanta preocupações sobre o excesso de regulamentação que poderia prejudicar a inovação”.

Tensão entre regulação e inovação

O cenário global adiciona outra camada de complexidade. EUA e UE têm se enfrentado em torno da regulação digital. Em um episódio emblemático, o presidente americano Donald Trump classificou as regras europeias como uma forma de “exploração injusta da inovação americana”.

donald trump
Donald Trump rebateu as regras europeias contra empresas americanas (Imagem: Chip Somodevilla / Shutterstock.com)

Em resposta, a Comissão Europeia publicou uma carta reafirmando que as regras são aplicadas de forma equitativa. “Elas não são direcionadas exclusivamente às empresas americanas”, explicam os pesquisadores, citando investigações contra empresas europeias e chinesas, como Booking.com e TikTok.

Preocupações do Brasil no cenário internacional

Para Otero-Iglesias e Rodríguez Gordo, essas disputas levantam dúvidas no Brasil sobre o futuro da parceria regulatória com a Europa. “O Brasil teme ficar isolado em seus esforços para regulamentar as grandes tecnologias se a UE enfraquecer sua posição”, analisam.

Essa preocupação é especialmente relevante em um momento em que o Brasil busca reforçar sua presença em fóruns internacionais e exercer maior influência nas negociações sobre governança digital.

Multas da UE testam credibilidade regulatória

Mesmo sob pressão, a UE tem demonstrado disposição para aplicar a nova legislação. Recentemente, foram impostas multas de 700 milhões de euros à Apple e à Meta por violações antitruste — valores que, embora menores do que o permitido pelo DMA, sinalizam a seriedade da Comissão.

Se a não conformidade persistir, a Comissão Europeia pode aplicar sanções diárias de até 5% do faturamento global médio das empresas. “Essa abordagem dá à Comissão a flexibilidade para aumentar a fiscalização se essas empresas continuarem a violar as regras”, explicam os autores.

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Reações das gigantes da tecnologia

As Big Techs não ficaram em silêncio. Um porta-voz da Casa Branca chamou as sanções de “extorsão”, enquanto a Meta acusou a Comissão de discriminar empresas americanas. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, respondeu afirmando que a aplicação da lei seria feita “independentemente da origem da empresa e de quem a dirige”.

Logos de big techs
Big techs reagiram às sanções pesadas da UE (Imagem: Ascannio / Shutterstock.com)

Segundo os pesquisadores da IE University, essa firmeza é necessária, mas ainda insuficiente. “Não se sabe ao certo quanta pressão a UE ou o Brasil podem suportar sozinhos”, observam.

Cooperação como saída possível

Diante da tensão entre regulação e inovação, os autores apontam que uma maior cooperação entre Brasil e Europa poderia ajudar a garantir soberania digital e concorrência justa no ambiente online. “Uma aliança mais forte entre os dois poderia servir de modelo para a cooperação internacional”, concluem.




Fonte: Olhar Digital

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