A transição energética e os interesses econômicos globais
A crise climática global ocupa o centro dos debates públicos e das políticas internacionais. A pressão social por estratégias efetivas de enfrentamento aumenta, sobretudo em função de acordos como o Acordo de Paris, firmado em 2015 por 195 países. Esse acordo visa limitar o aumento da temperatura global a 2°C acima dos níveis pré-industriais.
Nesse cenário, governos e corporações apostam na chamada transição energética. Esse processo busca substituir a matriz energética baseada em combustíveis fósseis por alternativas consideradas renováveis e de baixo carbono, como energia solar, eólica e veículos elétricos. Contudo, apesar do discurso sustentável, a transição tem gerado conflitos socioambientais em países periféricos, que fornecem os minerais essenciais para essa nova economia.
Descarbonização e novos desafios ambientais
A transição energética, em tese, visa reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE), especialmente o gás carbônico. No entanto, essa mudança exige a extração intensiva de minerais críticos, como lítio, grafite, cobalto e bauxita. Esses recursos são fundamentais para tecnologias consideradas “verdes”, como baterias de carros elétricos e turbinas eólicas.
De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), a capacidade instalada de energia solar deverá triplicar entre 2020 e 2040, enquanto a geração eólica mais do que dobrará. O Banco Mundial, por sua vez, projeta um aumento de 500% na demanda por minerais críticos até 2050. Esse crescimento intensifica a exploração de recursos em regiões vulneráveis, gerando uma nova forma de colonialismo ambiental.
Exploração de países periféricos e conflitos socioambientais
A transição energética, embora promovida como solução para a crise climática, tem agravado desigualdades globais. Países centrais, como os membros da União Europeia, estruturam políticas como o Green Deal, que visa descarbonizar suas economias até 2050. Contudo, essa modernização ocorre às custas da exploração de terras e bens naturais em nações da América Latina e da África.
No Brasil, a expansão das usinas eólicas e das operações de mineração tem gerado conflitos territoriais e ambientais. Segundo o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, as mineradoras avançam com um discurso de sustentabilidade para legitimar a exploração e minimizar as críticas.
A renovação do setor mineral ocorre em resposta a uma crise de legitimidade, aprofundada por desastres como os de Mariana (2015) e Brumadinho (2019). Essas tragédias expuseram os riscos socioambientais da atividade mineral, mas não interromperam a busca por novos territórios de exploração.
Impactos invisíveis da transição energética
A chamada “energia verde” carrega em sua esteira uma série de impactos devastadores. Comunidades atingidas por projetos de energia renovável denunciam:
- Desapropriação de terras e grilagem verde;
- Poluição sonora, que causa problemas de saúde;
- Privatização de áreas comuns, como territórios pesqueiros;
- Exploração sexual de crianças e adolescentes em áreas de construção;
- Falta de consulta prévia às comunidades afetadas.
Reportagens recentes destacam a prática de grilagem por empresas do setor, que incorporam terras de pequenos agricultores e as arrendam para multinacionais, como a Enel, para a construção de parques eólicos. Esse fenômeno, conhecido como “grilagem verde”, revela a contradição entre o discurso de sustentabilidade e as práticas predatórias no campo.
Uma transação econômica disfarçada de transição energética
Apesar do avanço das energias renováveis, a matriz energética brasileira ainda depende fortemente de combustíveis fósseis. Em 2024, o Brasil registrou uma produção média de 4,322 milhões de barris de óleo equivalente por dia. Além disso, o petróleo se tornou o principal produto de exportação do país, superando a soja.
A transição energética, longe de substituir fontes poluentes, tem funcionado como uma estratégia de diversificação. Isso reforça a exploração de territórios tradicionais e intensifica os conflitos socioambientais, principalmente no Nordeste brasileiro, onde há mais de 3.746 projetos de energia renovável em andamento.
Organizações como o Movimento dos Atingidos por Renováveis (MAR) denunciam que a transição energética tem, cada vez mais, a face de uma transação econômica. Esses movimentos buscam visibilizar os impactos ocultos dessa nova corrida por recursos, defendendo o lema: “Renovável sim, mas não assim”.
Em suma, a transição energética, embora necessária para mitigar a crise climática, precisa ser debatida de forma crítica. Sem um modelo que respeite os direitos das comunidades e proteja os ecossistemas, o processo se torna uma nova forma de exploração, travestida de sustentabilidade.