31.3 C
Manaus
sábado, 19 abril, 2025
InícioPolíticaSurto de pesquisas

Surto de pesquisas

Date:


Nos primeiros meses de 2025, assistimos a uma multiplicação de pesquisas de opinião sobre a aprovação e desaprovação do governo Lula, bem como sobre a intenção de voto para a Presidência. As pesquisas indicaram um dado importante: a queda nos índices de aprovação do ­atual governo. Essa queda, iniciada em novembro de 2024, estendeu-se até as primeiras semanas de abril, quando foi estancada – ou mesmo revertida, como sugerem os dados da última pesquisa do Datafolha, na qual os índices de aprovação do presidente subiram. Vale destacar alguns pontos desses levantamentos. O primeiro é que a aprovação de diversos presidentes brasileiros, inclusive alguns reeleitos, foi baixa durante o terceiro ano de mandato, tal como mostra o gráfico nestas páginas. O segundo é que todos os presidentes reeleitos tinham um índice de reprovação dos seus governos superior ao índice de aprovação menos de um ano antes da reeleição. O curioso é que temos observado uma certa insistência por parte de alguns institutos e de seus diretores em apontar a existência de um suposto fenômeno estrutural, mesmo que seja difícil justificar tal caracterização com base em uma tendência observada apenas nos últimos quatro meses.

No que diz respeito às pesquisas de intenção de voto, observa-se um grande descompasso entre elas e as pesquisas de aprovação do governo. Apesar da queda na aprovação, o presidente Lula lidera todas as sondagens de intenção de voto para 2026. Como explicar esse fenômeno? Uma primeira explicação está no possível exagero da desaprovação presente em algumas pesquisas, especialmente naquelas que omitem a categoria “regular” nas perguntas sobre avaliação do governo. Como sabemos, há dois tipos principais de medição de aprovação de um governo. A pesquisa tradicional pergunta sobre a aprovação do governo e desdobra as respostas em “ótimo”, “bom”, “regular”, “ruim” e “péssimo”; e outras pesquisas simplesmente apresentam uma dicotomia entre “aprova” e “desaprova”. Vimos nas últimas semanas uma recuperação da aprovação do presidente Lula, na qual seu índice de aprovação passou de 24% para 29% entre fevereiro e abril. Apesar de nenhum jornal da mídia corporativa ter utilizado a palavra, houve de fato um aumento da aprovação do presidente. Concentrou, no entanto, a atenção de alguns analistas e das manchetes de jornais outro dado apontado pela pesquisa Quaest de 2 de abril, segundo a qual 56% dos respondentes desaprovavam o governo Lula, um número que sobe desde o início deste ano. A pergunta que cabe aqui é: qual o significado de omitir o “regular” das pesquisas de aprovação e rejeição do presidente?

O filósofo e cientista político francês Pierre Rosanvallon destacou o fato de que a democracia envolve duas atitudes fundamentais. A primeira diz respeito à forma como a população apoia os governos, seus líderes e seus programas. Nessa primeira modalidade, que podemos chamar de uma forma democrática de desconfiança, a população está interessada em saber se o governo está sendo fiel aos seus compromissos. A segunda refere-se à desconfiança, ou seja, aos mecanismos de contenção e controle sobre os governantes que têm uma característica negativa. Nesse caso, a população ou o eleitor expressa uma capacidade de obstrução sobre os objetivos do governo em uma perspectiva de “povo-juiz”. É nessa chave que os eleitores reclamam de declarações do presidente ou de ações da primeira-dama ou de programas de governo. Cada vez mais os cidadãos das democracias contemporâneas, influenciados pela mídia, se posicionam nesse campo que Rosanvallon denomina de democracia negativa.

Na atual queda de popularidade do governo Lula vemos as duas dimensões em ação. De um lado, há, de fato, especialmente entre aqueles que acham o governo regular, um grupo de apoiadores e ex-apoiadores que expressa a dimensão positiva da democracia, isto é, eles julgam o governo a partir da sua fidelidade aos seus compromissos democrático e programáticos. Há do outro lado aqueles que julgam o governo pelo viés da democracia negativa, isto é, da contenção de impulsos do presidente em relação a diversas das suas ações programáticas, como o aumento do salário ou a implementação de programas dispendiosos, mas que obedecem aos desejos dos eleitores.

A chave para analisar 2026 é entender a dinâmica política dos dois grupos. O grupo que tem uma concepção de ­democracia positiva e que cobra do governo a implementação dos seus compromissos políticos marca regular ao responder à pergunta sobre a aprovação do governo. Nesse grupo encontramos uma parte do eleitorado da Região Nordeste e uma parte de setores pró-governo, como mulheres e negros. Nada indica, até este momento, que esse grupo pensa em apoiar alguns dos candidatos que a direita e a extrema-direita estão apresentando para presidente em 2026. Excluir a categoria “regular” das perguntas de avaliação do governo é, na prática, deslocar a análise do campo da democracia positiva para o campo da desconfiança. O problema é que o eleitor que considera um governo “regular” pode, ainda assim, ter a intenção de votar no presidente Lula. Ignorar essa nuance pode distorcer a leitura da opinião pública e contribuir para análises equivocadas sobre a real força política do presidente. Inundar o eleitor de análises desse tipo não vai mudar o panorama político. •


*Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenador do Observatório das Eleições.

Publicado na edição n° 1358 de CartaCapital, em 23 de abril de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Surto de pesquisas’





Por:Carta Capital

spot_img
Artigo anterior
Próximo artigo
spot_img