31.3 C
Manaus
quinta-feira, 22 maio, 2025
InícioBrasilRegulação das redes sociais avança pouco na Câmara e esbarra em interesses...

Regulação das redes sociais avança pouco na Câmara e esbarra em interesses políticos

Date:

Mesmo após tragédias envolvendo crianças e adolescentes, apenas um terço dos deputados vê como prioridade a criação de regras para o ambiente digital

 

Regulação das redes sociais esbarra na política e avança lentamente no Congresso

A morte de uma menina de oito anos após participar de um “desafio do desodorante” no TikTok reacendeu o debate sobre a regulação das redes sociais no Brasil. Apesar da comoção pública, a pauta continua enfrentando forte resistência na Câmara dos Deputados. Um levantamento da GloboNews revela que apenas seis dos 20 partidos com representação na Casa consideram a regulamentação das plataformas digitais uma prioridade — juntos, esses partidos somam 172 parlamentares, número insuficiente para aprovar qualquer proposta, que exige ao menos 257 votos.

A tragédia não é um caso isolado. Nas redes, multiplicam-se conteúdos perigosos que desafiam crianças e adolescentes a inalar substâncias tóxicas, se mutilar ou até simular enforcamentos ao vivo. Esses desafios, muitas vezes impulsionados pelo medo do cancelamento ou da exclusão social, têm provocado consequências devastadoras, ampliando a urgência por regras claras no ambiente virtual. Ainda assim, o tema parece estagnado.

PL das Fake News continua parado

O Projeto de Lei das Fake News, que propõe a criação da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, foi aprovado no Senado em 2020, durante a pandemia, mas permanece engavetado na Câmara. A proposta prevê, entre outras medidas, a responsabilização das plataformas por conteúdos nocivos, mecanismos de transparência sobre algoritmos e políticas mais rígidas para combater desinformação.

A lentidão em avançar com a proposta tem levantado questionamentos sobre os reais interesses por trás da resistência. Se por um lado há preocupações legítimas com a liberdade de expressão e o risco de censura, por outro, há também conveniências políticas. As redes sociais se transformaram em vitrines estratégicas para parlamentares de todos os espectros ideológicos. Muitos deles se beneficiam da lógica de viralização — quanto mais polêmico ou provocador o conteúdo, maior o alcance e o engajamento.

Liberdade de expressão ou vitrine eleitoral?

Para alguns deputados, legislar sobre redes sociais seria abrir mão de uma ferramenta poderosa de comunicação direta com seus eleitores. A ausência de filtros e mediações transforma as plataformas em palcos livres para discursos de impacto, mesmo que imprecisos ou distorcidos. Em nome da liberdade de expressão, acabam promovendo conteúdos que desafiam a integridade da informação e, em casos mais graves, colocam vidas em risco.

“Esse debate precisa sair do campo da conveniência política e entrar na esfera da responsabilidade pública”, argumenta uma fonte ouvida sob anonimato. “Estamos falando de vidas em risco, especialmente de crianças e adolescentes. Se o Congresso consegue aprovar emendas bilionárias com rapidez, deveria conseguir priorizar também a proteção dos mais vulneráveis.”

Crescimento de casos alarmantes entre jovens

Especialistas apontam que os casos de automutilação, suicídio e exposição a conteúdos abusivos cresceram de forma preocupante nos últimos anos. Relatórios nacionais e internacionais apontam o impacto direto do ambiente digital na saúde mental de jovens, especialmente quando expostos a tendências perigosas, cyberbullying e algoritmos que reforçam padrões destrutivos de comportamento.

Segundo a ONG SaferNet, o número de denúncias envolvendo crimes digitais contra crianças e adolescentes cresceu 33% nos últimos dois anos. “É urgente garantir um ambiente online mais seguro, e isso só será possível com regulamentação e fiscalização efetiva”, afirma a diretora da organização, Juliana Cunha.

Cenário internacional pressiona o Brasil

A pressão por uma legislação moderna e eficaz não ocorre apenas dentro do país. Diversas nações já avançaram com marcos regulatórios voltados para a internet. A União Europeia, por exemplo, implementou a Lei de Serviços Digitais, que impõe obrigações claras às big techs, como a retirada rápida de conteúdos nocivos e maior transparência nos algoritmos.

Nos Estados Unidos, há discussões avançadas sobre a responsabilidade civil das plataformas e a proteção de dados de menores. Austrália, Reino Unido e Canadá também têm adotado posturas mais rígidas. O Brasil, por outro lado, segue atrasado.

O papel das big techs no impasse

As grandes plataformas digitais, como Meta, Google e TikTok, também são atores centrais nessa discussão. Seus representantes costumam argumentar que já adotam políticas internas de moderação e combate a conteúdos nocivos. No entanto, especialistas alegam que essas ações são insuficientes e muitas vezes pouco transparentes.

“A falta de responsabilização contribui para a sensação de impunidade digital”, destaca o advogado Renato Leite Monteiro, especialista em direito digital. “Precisamos de mecanismos legais que obriguem as plataformas a agir com mais responsabilidade, especialmente quando o público atingido envolve crianças.”

População cobra respostas

Nas redes sociais e fora delas, cresce a cobrança da sociedade por medidas mais eficazes. Famílias, educadores e organizações de proteção à infância exigem do poder público uma atuação mais firme para enfrentar os riscos do ambiente digital. No entanto, a resposta institucional ainda é tímida.

“A cada nova tragédia, vemos o debate voltar à tona, mas sem consequência prática. Não podemos normalizar esse ciclo de indignação e inércia”, alerta a psicóloga Mariana Lemos, que atua em escolas públicas do Rio de Janeiro. “Precisamos de políticas públicas sérias, campanhas educativas e, acima de tudo, leis que garantam um mínimo de segurança.”

A escolha está nas mãos dos deputados

Com cinco anos de tramitação, o PL das Fake News se tornou símbolo de um impasse político que expõe as fragilidades da democracia digital brasileira. O tempo passou, os casos se multiplicaram, e a Câmara ainda não decidiu o que fazer. Agora, cabe aos deputados definir se o interesse público falará mais alto que o cálculo eleitoral.

“Não é mais uma questão de se devemos regular. É uma questão de como e quando. E esse momento já passou da hora”, afirma a deputada Tabata Amaral (PSB-SP), uma das defensoras do projeto.

Se o Congresso não conseguir agir diante de tragédias que afetam diretamente a vida de crianças e adolescentes, resta à sociedade cobrar com mais firmeza. A pressão pública pode não ser suficiente para mudar votos, mas é o único caminho para não deixar o debate morrer — mais uma vez — sem consequências.

 

spot_img
spot_img
Sair da versão mobile