O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deve encerrar nesta semana a primeira viagem ao Oriente Médio deste mandato. Uma das paradas da visita foi o Catar, país que está no centro de uma polêmica envolvendo um avião.
A rica nação do Golfo Pérsico quer presentear Trump com um Boeing 747 de luxo, avaliado em pelo menos US$ 250 milhões, o equivalente a mais de um bilhão de reais.
O republicano disse que quer aceitar o presente e usá-lo como o novo meio de transporte aéreo do presidente dos Estados Unidos, mas quer levá-lo com ele quando sair da Presidência.
Desde o primeiro mandato na Casa Branca, Trump insiste que quer uma frota renovada do Air Force One, codinome adotado para qualquer avião usado pelo presidente dos Estados Unidos. A frota atual é da década de 1990.
Trump, inclusive, chegou a sugerir um novo design para a aeronave, substituindo o tradicional azul claro e branco. De fato, há uma nova frota em produção após um contrato milionário com a Boeing, mas a finalização está prevista apenas para 2027, ainda dentro do atual mandato do republicano.
Além de ter se tornado um símbolo de poder do governo americano, o Air Force One também representa um meio de proteção importante para o líder da nação mais poderosa do mundo.
Por isso, transformar uma aeronave de origem desconhecida em uma “Casa Branca voadora” envolve uma série de questões de segurança e logística.
Desmontagem e reformas
A atual frota do Air Force One foi desenvolvida pela Boeing, mas toda a produção foi supervisionada por autoridades americanas, sobretudo pelo Serviço Secreto e pela Força Aérea.
O acompanhamento do trabalho é feito para que todas as especificações de segurança sejam seguidas à risca.
Mas esse não é o caso do avião que o Catar quer dar aos EUA. Por isso, antes que a aeronave fosse utilizada de forma segura, segundo analistas de segurança ouvidos pela CNN, seria necessário desmontar o avião para verificar que não há dispositivos de escuta instalados, nem qualquer elemento que comprometa a segurança do voo.

Além disso, o Boeing do Catar, por mais que seja uma aeronave de luxo, não é equipado com os recursos de segurança adotados no Air Force One.
Alguns exemplos incluem um avançado e seguro sistema de comunicações, radares sofisticados, proteção contra mísseis e blindagem contra ataques eletromagnéticos.
No interior, há uma suíte para o presidente, salas de reunião, além de uma sala de cirurgia com um médico disponível em todas as viagens, em caso de uma emergência.
O complexo processo de desmontagem e reformas poderia levar de vários meses a dois anos, segundo especialistas ouvidos pela CNN. O custo estaria na casa das centenas de milhões de dólares.
Por si só, o uso de uma aeronave cedida por outro país em uma função tão sensível já representaria um gargalo na segurança.
Ainda que não seja uma nação inimiga, o Catar não é bem visto por muitos políticos americanos por causa dos laços que o país mantém com o Hamas, abrigando lideranças do grupo palestino.
Reabastecimento no ar
Além de transportar o presidente, o Air Force One também é visto como um meio de proteção do líder.
De acordo com cada cenário, em um eventual ataque aos Estados Unidos, colocar o presidente no avião e sair do solo pode ser a alternativa mais segura. É a forma de a Casa Branca garantir a continuidade de governo em um momento de crise.

O Air Force One se tornaria, assim, o local de onde partiriam as ordens do presidente para comandar a nação após uma catástrofe.
Em caso de que um pouso seja impedido, por causa de um ataque em solo, manter o presidente de forma segura no ar vira a prioridade das Forças Armadas. Para isso, o avião precisa ser reabastecido em pleno voo, o que torna — pelo menos teoricamente — a autonomia do Air Force One infinita.
O procedimento, chamado de REVO (reabastecimento em voo), é comum na aviação militar. Um avião-tanque se aproxima da outra aeronave e lança uma espécie de tubo que se liga à parte frontal, bombeando combustível.
Esse é um recurso vital para o funcionamento do Air Force One. Porém, não é algo que o Boeing do Catar possui e seria logisticamente complicado de ser implementado.
Questões éticas e legais
De forma geral, presentes de outros países dados a funcionários federais dos EUA, como o presidente, podem carregar uma série de complicações éticas.
Atualmente, a lei dos Estados Unidos estabelece que um servidor pode ficar com um presente desde que o valor seja de até US$ 480, bem abaixo dos US$ 250 milhões, preço do Boeing do Catar.
Mesmo assim, a Casa Branca insiste que o avião não é um presente a Trump e, sim, à nação americana. Mas o presidente já disse que pretende incorporar a aeronave à sua biblioteca presidencial, que é o conjunto de artefatos acumulados pelos presidentes após ele deixar o mandato.
Em Washington, a ponderação que se faz é a de que o Catar não doaria uma aeronave de luxo como um gesto de caridade, ou seja, sem esperar nada em troca e, por isso, o presente poderia levantar mais questionamentos.
Além disso, a possibilidade de conflitos de interesse também é cogitada, uma vez que o grupo de empreendimentos imobiliários da família Trump está em plena expansão entre as nações do Golfo, inclusive no Catar.
No país, há o projeto para um campo de golfe que deve ser construído pelo conglomerado, comandado pelo filho de Trump, Eric, em parceria com uma empresa ligada à família real do Catar, a mesma que quer dar o Boeing de luxo a Trump.
A chefe do departamento de Justiça dos Estados Unidos, a procuradora-geral Pam Bondi, indicada por Trump, já disse que o presente está “acima de qualquer suspeita” e está trabalhando para que ele seja doado de forma regular para o presidente.
Antes de ser indicada ao governo, Bondi, vale lembrar, foi lobista para o Catar.
Mesmo que os desafios legais e éticos sejam superados em torno da doação do avião do Catar, Donald Trump dificilmente começaria a usar a aeronave ainda neste ano, por causa das questões de segurança e logística que precisariam ser resolvidas.
Fonte: CNN Brasil