Menino olha espaço onde, antes, era a parte de um barranco (Luiz André Nascimento/Cenarium)
26 de março de 2025
Lucas Ferrante – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Nas últimas semanas, Manaus tem sido impactada por chuvas intensas, resultando em alagamentos. A intensificação da crise climática tem se manifestado de forma alarmante na capital amazonense, refletindo uma tendência global impulsionada pelo aumento das emissões de carbono. A meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais já foi ultrapassada anos antes do previsto, acelerando eventos climáticos extremos.
Esse aumento é resultado direto da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento, principais fontes de emissão de gases de efeito estufa. Em particular, o Brasil figura como o quarto maior emissor mundial, com o desmatamento representando a maior parcela de suas emissões. O Estado do Amazonas desempenha um papel central nesse cenário, destacando-se por suas áreas de desmatamento acelerado, como Humaitá, Boca do Acre, Lábrea e, mais recentemente, Tapauá. A rodovia BR-319 tem sido um vetor significativo da destruição florestal, impulsionando a expansão da pecuária e da grilagem. Esse processo intensifica a liberação de carbono na atmosfera, agravando as mudanças climáticas, como já destacamos em periódicos de alto impacto, incluindo Nature e Science, as duas principais revistas científicas do mundo.
Além do avanço do desmatamento, a conivência de órgãos de fiscalização estaduais tem permitido a continuidade desse processo. Estudos que publicamos nos periódicos científicos Land Use Policy e Environmental Conservation demonstraram que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) têm falhado sistematicamente na sua função de controle, permitindo a regularização de terras desmatadas ilegalmente e concedendo licenças ambientais questionáveis. Conforme apontado em dois artigos recentes, essa falta de fiscalização eficiente favorece a impunidade e incentiva a expansão das frentes de destruição na Amazônia, comprometendo ainda mais a estabilidade climática da região.
Em um estudo do nosso grupo de pesquisa publicado em 2023 na Conservation Biology revelou que as anomalias climáticas na região do arco do desmatamento têm se intensificado devido à conversão de florestas em pastagens e lavouras de soja. Esse fenômeno já afeta os chamados “rios voadores”, fluxos de umidade que transportam vapor d’água da Amazônia para outras regiões do Brasil e América do Sul. A interrupção desse sistema hídrico tem impactos severos sobre o regime de chuvas, intensificando secas prolongadas e tempestades violentas. Caso a rodovia BR-319 seja pavimentada, essas anomalias migrarão do arco do desmatamento para a Amazônia central, exacerbando ainda mais os eventos climáticos extremos. As secas severas que castigaram a região nos últimos dois anos e as tempestades observadas em 2025 são apenas os primeiros sinais dessa nova realidade.
O desmatamento descontrolado e o aumento das anomalias climáticas influenciam diretamente a duração e a severidade das secas e das chuvas. Com o ciclo hidrológico comprometido, os períodos de estiagem se tornam mais longos e intensos, enquanto os episódios de chuva ocorrem de forma concentrada, resultando em inundações abruptas e destruição. Essas transformações já afetam a biodiversidade da Amazônia central, com estudos que publicamos no periódico científico Environmental Monitoring and Assessment indicou um declínio significativo até mesmo em espécies comuns, que podem desaparecer em menos de 20 anos. Além disso, uma pesquisa publicada na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) alerta que a Amazônia central passará a experimentar ondas letais de calor, colocando em risco a vida humana e animal na região.
Secas severas, ondas letais de calor e chuvas intensas com alagamentos serão a nova realidade de Manaus, aprofundando as desigualdades sociais, econômicas e de saúde que já assolam a cidade. Mesmo diante desse cenário catastrófico, o governo Lula mantém planos de expansão da produção de petróleo no Brasil, contrariando recomendações da Nature, que alertam sobre os impactos devastadores dessa política. Se tais planos forem adiante, Manaus poderá se tornar inabitável, especialmente devido às ondas extremas de calor.
A única solução viável para evitar esse colapso é a revisão imediata das políticas de exploração petrolífera, a suspensão da abertura de novas estradas e a implementação de uma política de desmatamento zero. Sem essas medidas urgentes, não haverá desenvolvimento algum para Manaus e a Amazônia central. O futuro da região será uma zona morta, e aqueles que hoje defendem a destruição ambiental em nome do progresso e da economia sequer estarão aqui para enfrentar as consequências. Quem permanecerá serão os mais vulneráveis, os que menos contribuíram para essa crise, condenados a sobreviver em um ambiente cada vez mais hostil e inóspito.
(*) Lucas Ferrante é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal) e possui Mestrado e Doutorado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ferrante é o pesquisador brasileiro com o maior número de publicações como primeiro autor nas duas principais revistas científicas do mundo, Science e Nature, de acordo com dados da plataforma Lattes. Atualmente, é pesquisador na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
Fonte: Agência Cenarium