Baland Jalal estava deitado na cama, apavorado, vivendo seu próprio filme de terror da vida real. Recém-desperto, o jovem de 19 anos conseguia ver o ambiente ao seu redor, mas não podia se mover nem falar — e não sabia o motivo.
Ele pensou: “‘Meu Deus, o que eu faço?’”, conta Jalal, hoje com 39 anos, sobre aquele momento em 2005. “Tentei chamar minha mãe, meu pai, mas nenhuma palavra saía da minha garganta… Senti uma presença sombria de um monstro, e ele levantava minhas pernas para cima e para baixo.
“Ele me estrangulava, tentando me matar. E eu tinha 100% de certeza de que ia morrer”, acrescenta Jalal. “Parece literalmente que todo o mal do universo está condensado em uma bolha — e ela está no seu quarto.”
Esse tipo de alucinação é uma característica marcante da paralisia do sono. A condição ocorre durante as transições de entrada ou saída do sono REM (movimento rápido dos olhos), semelhante a um engarrafamento em um cruzamento movimentado — o cérebro está acordado e alerta, mas o corpo ainda está dormindo e imobilizado, explica Matthew P. Walker, diretor do Centro de Ciência do Sono Humano da Universidade da Califórnia, em Berkeley, por e-mail.
Após o sono profundo, o sono REM é a próxima fase crítica do ciclo do sono, caracterizada por sonhos mais vívidos e realistas, além de aumento da frequência cardíaca e da respiração. Essa fase é essencial para a memória, a concentração, a regulação do humor e o bom funcionamento do sistema imunológico.
As experiências de Jalal o impulsionaram a estudar esse fenômeno em diversas partes do mundo. Ele queria descobrir a causa da paralisia do sono e entender por que algumas pessoas diagnosticadas têm “encontros tão intensos, como se estivessem diante de um mal de proporções épicas”.
Desde então, Jalal obteve doutorado em psiquiatria e atualmente é pesquisador no departamento de psicologia da Universidade de Harvard, sendo um dos principais especialistas em paralisia do sono. Ele também atende pacientes que sofrem com o problema.
Segundo a Cleveland Clinic, estima-se que 30% da população mundial passe por pelo menos um episódio de paralisia do sono ao longo da vida. Não se sabe exatamente quantas dessas pessoas têm episódios recorrentes e incapacitantes, mas Jalal acredita que esse percentual seja baixo.
A ciência e os sintomas da paralisia do sono
Durante o sono REM, nossos corpos ficam paralisados para evitar que atuemos fisicamente em nossos sonhos e acabemos nos machucando ou ferindo outras pessoas, explicou Jalal. Os episódios de paralisia do sono geralmente duram apenas alguns minutos, mas podem se estender por até 20 minutos, segundo a Cleveland Clinic.
Durante a paralisia do sono, no entanto, “recuperamos a consciência antes que os músculos se libertem da paralisia induzida pelo REM”, afirma Walker, que também é professor de neurociência e psicologia da Universidade da Califórnia, em Berkeley.
Cerca de 40% das pessoas com paralisia do sono têm alucinações visuais, auditivas ou táteis — como a sensação de pressão no peito ou de estar fora do corpo —, afirma Jalal. Para aproximadamente 90% dessas pessoas, as alucinações são aterrorizantes. Podem incluir fantasmas ou criaturas parecidas com gatos ou alienígenas, com ações que vão desde apenas se aproximar da pessoa até molestá-la ou tentar matá-la.
Nas viagens acadêmicas de Jalal, ele descobriu que o conteúdo e a interpretação das alucinações, as crenças sobre a causa da paralisia do sono e até a frequência e a duração dos episódios podem ter base cultural. Pessoas no Egito e na Itália, por exemplo, costumam ver bruxas ou gênios malignos, culpá-los pelos episódios e acreditar que poderiam morrer em consequência disso, segundo Jalal. Já em países como Dinamarca, Polônia e partes dos Estados Unidos, as explicações são menos sobrenaturais ou exóticas — e o medo é menor.
“Por que vemos esses monstros? Seriam imagens dos sonhos que vazam para a consciência?”, questiona Jalal. “Minha resposta, com base na minha pesquisa, é que não exatamente. Mas isso faz parte.”
Quando você está consciente, mas paralisado e confuso, sua reação natural é tentar fugir da situação. O cérebro envia sinais ao corpo para se mover, mas o corpo não responde.
A teoria de Jalal, em resumo, é que o cérebro “joga a toalha” e cria uma história que parece explicar os sintomas bizarros que o corpo está enfrentando.
A menor atividade no córtex pré-frontal — responsável pela razão e lógica — também contribui para que as alucinações pareçam “extremamente realistas e carregadas emocionalmente, amplificadas pela amígdala cerebral, o centro de alarme emocional do cérebro”, explicou Walker.
Causas e fatores de risco da paralisia do sono
Embora os cientistas saibam que se trata de uma falha na transição entre os estados de vigília e sono, ainda não entendem completamente o motivo de isso acontecer. Mas há vários fatores que aumentam o risco de sono fragmentado e paralisia do sono.
Esses fatores incluem estresse e condições relacionadas, como ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), transtorno bipolar e transtorno do pânico, explicaram os especialistas. Grande parte dos episódios de Jalal ocorreu enquanto ele ainda estudava. Atualmente, ele relata ter um ou dois episódios por ano — geralmente em períodos de estresse elevado. (Quem já passou pela paralisia do sono pode perceber que está nesse estado durante o episódio, mas ainda assim sentir medo.)
Outros fatores comuns são privação de sono, jet lag, rotina de sono irregular, distúrbios do sono como a narcolepsia e fatores genéticos, segundo Walker e Jalal.
Apneia obstrutiva do sono, transtornos por uso de substâncias e certos medicamentos — como os usados para tratar TDAH — também aumentam o risco, de acordo com a Cleveland Clinic.
A paralisia do sono é perigosa?
Por mais assustadora que pareça, a paralisia do sono não é, de fato, perigosa, segundo os especialistas. Mas, dependendo da frequência, pode ser um sinal de distúrbio do sono subjacente, de acordo com Jalal.
Episódios frequentes também podem gerar ansiedade em relação ao sono — levando à sua evitação. Esse padrão pode afetar sua energia durante o dia e a capacidade de funcionar. E, se você costuma ter alucinações aterrorizantes, isso pode causar sintomas de ansiedade ou até traumas.
Como a paralisia do sono é tratada?
A paralisia do sono pode ser bastante aliviada com algumas práticas e tratamentos, segundo Walker — a começar por hábitos saudáveis de sono. Isso inclui dormir entre sete e nove horas de sono reparador por noite.
Manter uma rotina de sono regular em qualidade e quantidade “funciona como afinar seu relógio biológico, reduzindo a chance de sobreposição entre vigília e sono — como garantir que todos os instrumentos de uma orquestra estejam sincronizados para uma harmonia perfeita”, explicou Walker.
Também é importante controlar o estresse, com o uso de práticas como meditação e exercícios de relaxamento. Terapias podem ajudar a resolver questões subjacentes que estejam desencadeando a paralisia do sono — especialmente a terapia cognitivo-comportamental, na versão voltada para insônia.
Em casos mais graves, medicamentos às vezes são usados, segundo Walker. Incluem antidepressivos tricíclicos ou inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS), que ajudam a regular o ciclo do sono ou a reduzir a fase REM.
De modo geral, aumentar os níveis de serotonina no cérebro parece compensar a perda da fase REM, segundo Jalal. Mas, raramente, o uso prolongado de antidepressivos pode estar associado a distúrbio comportamental do sono REM.
Embora esses tratamentos possam reduzir a frequência ou a duração dos episódios, ainda não existe uma terapia padrão capaz de interromper um episódio no momento em que ele acontece.
Jalal tem tentado desenvolver uma nos últimos 10 anos — e a inspiração veio da própria experiência. Chamada de erapia de relaxamento meditativo, a abordagem reduziu a paralisia do sono em 50% após oito semanas em seis pessoas com narcolepsia, segundo um pequeno estudo piloto publicado por Jalal em 2020. Ele atualmente conduz um novo estudo sobre essa terapia com mais participantes em Harvard. Os passos da terapia de Jalal são os seguintes:
- Reavaliar cognitivamente o significado do ataque: Feche os olhos e lembre-se de que essa experiência é comum e você não vai morrer por causa dela.
- Distanciar-se emocionalmente do episódio: Diga a si mesmo que seu cérebro está apenas pregando uma peça — e que não há motivo para ter medo ou deixar que a situação piore por causa de expectativas negativas.
- Focar em algo positivo: Pode ser uma oração ou imaginar o rosto de alguém querido. Esse foco pode tornar os pensamentos mais agradáveis, afastando os monstros mentais.
- Relaxe os músculos e não tente se mexer: Alguns especialistas sugerem tentar mover levemente os dedos das mãos ou dos pés, um a um, para sair mais rápido do episódio. Mas o quarto passo da técnica de Jalal desaconselha isso, já que você ainda estará enviando sinais para músculos paralisados — o que pode intensificar as alucinações.
Por fim, Jalal afirma que encarar a biologia do próprio corpo de forma mais objetiva — aprendendo mais sobre a base científica da paralisia do sono — também ajuda a lidar com o fenômeno.
Fonte: CNN Brasil