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quinta-feira, 1 maio, 2025
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Peso morto?

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Alá o Bolsonaro tentando dar o gorpi”, aponta Lula para um lado, enquanto surrupia, de outro, duas notas de 100 reais da bolsa de uma distraída senhora. A charge apócrifa é um dos incontáveis memes espalhados pela rede de desinformação bolsonarista. O objetivo é associar o presidente ao escândalo do INSS, apesar de não haver qualquer suspeita de envolvimento do petista – ou de integrantes do primeiro escalão do governo – no bilionário esquema de descontos indevidos nas aposentadorias investigado pela Polícia Federal. Ainda não é possível mensurar o impacto do episódio na imagem de Lula, em lento processo de recuperação de popularidade perdida nos últimos meses. A permanência do ministro da Previdência, Carlos Lupi, responsável pela administração do instituto, parece, porém, cada vez mais insustentável.

Integrantes do governo e alguns parlamentares da base aconselham Lula a rifar o ministro antes que o escândalo cause mais danos. É fato que a bomba-relógio foi armada muito antes de o presidente voltar ao poder. A investigação revela que as fraudes começaram na gestão de Michel Temer e se ampliaram nos anos de Bolsonaro, quando o INSS foi loteado pelo Centrão. Das 11 associações investigadas, nove foram criadas entre 2017 e 2022, com apenas uma – a Associação dos Aposentados e Pensionistas Nacional (AAPEN) – firmando acordo após Lula assumir.

Por outro lado, descontos nos benefícios dispararam durante a gestão petista e totalizaram 2,6 bilhões de reais em 2024, aumento de 273% em relação ao último ano de Bolsonaro. Além disso, há uma percepção generalizada de que ­Lupi demorou a agir após ser informado sobre os desvios. O primeiro alerta veio em junho de 2023, quando Tônia Galleti, do Conselho Nacional de Previdência Social, pediu revisão dos acordos com as entidades. Lupi recusou, sob a alegação de que o tema não estava na pauta. O conselho só voltou a discutir o caso em abril de 2024, quando as fraudes tinham virado objeto de investigação na Controladoria-Geral da União e no Tribunal de Contas.

“Não pretendo sair”, afirma o ministro

A primeira ação concreta do INSS para coibir as fraudes foi adotada apenas em março do ano passado, nove meses após o alerta de Galleti. O órgão adotou novas regras para autorizar os descontos em folha, exigindo termos de adesão e biometria, além de documentos de identificação. Também foi criada a possibilidade de o beneficiário bloquear os descontos via aplicativo “Meu INSS” ou pela Central 135. Lupi tem usado essas tardias providências para afirmar que não ficou inerte antes de a PF e a CGU colocarem na rua, na quarta-feira 23, a Operação Sem Desconto. A ação resultou no cumprimento de 211 mandados de busca e apreensão, seis de prisão temporária e ordens de sequestro de bens que somam mais de 1 bilhão de reais.

Na ocasião, o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e outros cinco servidores do órgão foram afastados dos cargos. O grupo é suspeito de facilitar a atuação dos fraudadores, que descontavam valores mensais de aposentados e pensionistas sem o conhecimento das vítimas, como se fossem contribuições a associações representativas. Essas entidades alegavam oferecer assistência jurídica, descontos em planos de saúde, seguros funerários, academias e outras vantagens, mas verificou-se que boa parte delas nem sequer possuía capacidade operacional para oferecer os serviços. Pior, uma auditoria da CGU que entrevistou 1.273 beneficiários do INSS revelou que 97,6% deles afirmaram não ter autorizado os descontos associativos.

As organizações investigadas arrecadaram 6,4 bilhões de reais desde 2019. Lula ordenou a suspensão imediata dos descontos e prometeu ressarcir as vítimas. Em audiência pública na Câmara, na terça-feira 29, Lupi disse ter solicitado uma auditoria assim que soube das irregularidades, mas que não seria possível resolver o problema “num estalar de dedos”, dada a complexidade do INSS. A justificativa não convenceu, pois a suspensão dos descontos foi feita rapidamente pelo governo, após a ação da PF.

O de sempre. Parte da mídia mira em Frei Chico, irmão do presidente Lula, não para esclarecer, mas para confundir – Imagem: Ricardo Stuckert

O ministro tem reiterado que não arreda o pé do cargo. “Não pretendo sair e estou tocando o trabalho”, disse a ­CartaCapital. Na saída da audiência pública na Câmara, voltou a descartar a possibilidade de renúncia: “Quem tem que decidir sobre isso é o presidente Lula”. O deputado Mário Heringer, líder do PDT na Câmara, foi direto: exonerar Lupi significa demitir a legenda do governo. Na ponta do lápis, o PDT tem 17 deputados e três senadores – uma bancada pequena, mas que faria falta na frágil base governista, cada vez mais dependente do Centrão. Além disso, o pedetista é aliado de Lula há mais de 20 anos.

O enrosco é que o presidente ainda luta para recuperar a popularidade perdida. Segundo o agregador de pesquisas do Ipespe Analítica, Lula encerrou o primeiro ano de mandato com um saldo positivo de 13 pontos porcentuais na avaliação de governo – ou seja, a aprovação superava a reprovação com folga. No segundo ano, a vantagem caiu para apenas 4 pontos. Já nos primeiros meses de 2025, a média das sondagens indica um saldo negativo de 9 pontos, com a rejeição superando a aprovação. As pesquisas mais recentes, do início de abril, mostraram uma leve recuperação. “Isso se deve ao arrefecimento da inflação e às mudanças promovidas por Sidônio Palmeira na comunicação do governo, mas o escândalo do INSS ameaça pôr tudo a perder”, avalia o cientista político Antônio Lavareda, presidente do Conselho Científico do ­Ipespe. “A reação inicial do governo seguiu o manual: reconheceu o problema e assumiu certa liderança na apuração, mas tem um sapo a ser digerido, o Lupi. A demora para agir é injustificável aos olhos da sociedade, e este é o primeiro caso de corrupção surgido no atual governo. Os episódios envolvendo Juscelino Filho são de um período anterior à sua chegada ao Ministério das Comunicações.”

Os detalhes da farra no INSS são, de fato, escabrosos. Em 2021, quando firmou um “acordo de cooperação técnica” com o INSS para realizar os descontos de mensalidades, a Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec) contava com três filiados. Desde então, a entidade apresentou um crescimento vertiginoso: o número saltou para 38 mil, em 2023, e para 653 mil, em 2024, elevando seu faturamento mensal a 30 milhões de reais, revelou o site Metrópoles.

Tudo começou com Temer e Bolsonaro, mas houve um aumento dos descontos no atual governo

Ao todo, a Ambec recebeu mais de 492 milhões de reais por meio de descontos aplicados nos benefícios de aposentados. Desse montante, 11 milhões foram repassados a uma empresa ligada ao lobista Antônio Carlos Camilo Antunes. Conhecido como “Careca do INSS”, ele se apresenta como “gerente”, com salário mensal de 24,4 mil reais e patrimônio declarado de até 5 milhões. Suas movimentações bancárias são, segundo relatório da Polícia Federal, “muito superiores à hipotética renda”. Em apenas cinco meses, Careca movimentou 24,5 milhões de reais. Antunes figura ainda como procurador de uma empresa offshore, sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, que comprou quatro imóveis em São Paulo e Brasília, ao custo de 11 milhões de reais. Não bastasse, ele e a esposa adquiriram uma casa avaliada em 3 milhões no Lago Sul, em Brasília.

Apesar da fartura de provas contra entidades como a Ambec, parte da mídia optou por destacar as acusações contra o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), que mantém um acordo com o INSS para descontar contribuições desde 2014. Embora esteja entre as 11 organizações investigadas por irregularidades, nenhum dirigente do Sindnapi foi alvo de mandados de prisão ou de busca e apreensão. A entidade, tudo indica, só entrou na mira da PF por conta do crescimento expressivo de sua arrecadação, que saltou de 17,8 milhões de reais, em 2016, para 90,5 milhões, em 2023 – ainda assim, valores modestos se comparados àqueles das demais associações sob investigação.

A cobertura tem explorado a vinculação de Frei Chico, irmão de Lula, ao sindicato. Ele é filiado ao Sindnapi desde 2008 e só assumiu o cargo de vice-presidente no fim de 2023. De nada adiantou o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, esclarecer de forma categórica: “O irmão do presidente Lula não é alvo da operação, não é investigado na operação”. A mídia continua a apontá-lo como suspeito de envolvimento em um grande esquema de desvios, versão que alimenta as milícias digitais bolsonaristas. •

Publicado na edição n° 1360 de CartaCapital, em 07 de maio de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Peso morto?’





Por:Carta Capital

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