Na segunda-feira 7, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, cumpriu uma agenda na Paraíba, onde se reuniu com o governador João Azevedo, do PSB, e alguns prefeitos para traçar um balanço das realizações feitas com os recursos que o governo federal destinou ao estado no Programa de Aceleração do Crescimento, o Novo PAC. A expectativa é que, até o fim do próximo ano, 858 obras sejam executadas nos municípios paraibanos, totalizando um investimento de mais de 20 bilhões de reais.
A ida de Costa à Paraíba, acompanhado do ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, faz parte da estratégia montada no Palácio do Planalto para melhorar a popularidade do presidente Lula no Nordeste, região que historicamente tem sido o fiel da balança na sucessão presidencial, com uma votação majoritariamente voltada para os candidatos do PT. Em 2022, Lula recebeu 69,3% dos votos válidos no Nordeste, cerca de 12,5 milhões a mais do que Bolsonaro – em todo o Brasil, a diferença foi de apenas 2,1 milhões de votos em favor do petista. Seguindo uma tendência nacional, a aprovação do governo Lula na região despencou no início do ano, uma queda até mais intensa que aquela verificada nas demais regiões do País.
De acordo com a Quaest, o porcentual de eleitores nordestinos que aprovam o governo caiu de 69%, em agosto de 2024, para 52% em março deste ano. Nesse mesmo intervalo de tempo, a desaprovação aumentou de 26% para 46% (gráfico à pág. 26). No Datafolha, embora os números mostrem uma leve recuperação no último mês, o cenário é igualmente desafiador para Lula. No início de abril, 38% avaliavam a gestão petista como boa ou ótima, ao passo que 26% consideravam ruim ou péssima.
A aprovação do governo na região ainda é maior do que no restante do País, mas o tombo foi grande
Os indicadores do Nordeste continuam mais favoráveis do que no restante do País. Ainda assim, o crescente descontentamento da população no principal reduto lulista acendeu um sinal de alerta no Palácio do Planalto, que deu início a uma campanha de comunicação em massa para divulgar os feitos do governo não apenas no Nordeste, mas em todo o País. O que mais intriga a equipe de Lula é que o recuo na popularidade ocorre em um momento em que o País apresenta bons indicadores econômicos. Em 2024, a taxa de desocupação ficou em 6,6%, a menor marca desde o início da série histórica do IBGE, em 2012. Segundo o Caged, foram gerados quase 1,7 milhão de empregos formais, com carteira assinada. O PIB nacional cresceu 3,4% e, no Nordeste, o resultado foi ainda mais satisfatório: a economia local registrou uma expansão de 4% no ano passado, segundo o Índice de Atividade Econômica do Banco Central.
O calcanhar de Aquiles é a inflação, apontam analistas econômicos e políticos consultados por CartaCapital. Embora o índice geral esteja sob controle, os preços dos alimentos continuam a pressionar o orçamento das famílias, e isso é muito mais concreto para a população do que o desempenho do PIB. “A escalada da inflação de alimentos atinge, sobretudo, os mais pobres. E o Nordeste, em especial, tem uma concentração de eleitores de baixa renda muito expressiva. Lula ainda tem um melhor desempenho na região do que no restante do País, mas foi entre os eleitores nordestinos que se observou a queda mais abrupta de popularidade”, observa o cientista político e sociólogo Antônio Lavareda, acrescentando que não cabe ao governo intervir no mercado de alimentos. “Muito pouco ou quase nada se pode fazer a respeito, e o governo precisa produzir fatos positivos.”
A economista e socióloga Tania Bacelar, professora emérita da Universidade Federal de Pernambuco e especialista em desenvolvimento regional, acrescenta que o desemprego e a precarização do trabalho também atingem de forma mais aguda os nordestinos. “Tradicionalmente, a taxa de desocupação na região é maior do que a média nacional. Além disso, metade da força de trabalho está na informalidade, enquanto no Brasil o porcentual gira em torno de 40%”, explica a pesquisadora, lembrando que a renda média das famílias no Nordeste também é mais baixa, cerca de 30% menor.
“Os dados de 2024 e as projeções futuras para o Nordeste revelam que o PIB regional cresceu acima da média nacional, com a expansão da indústria, do setor de serviços, da agricultura, uma melhor qualificação da mão de obra e atração de novos investimentos. A perspectiva é manter um crescimento superior ao do País até 2034”, prevê o superintendente da Sudene, Danilo Cabral. Quanto à inflação na região, segundo o Boletim Macro Regional Nordeste da Fundação Getulio Vargas, o IPCA registrou uma variação positiva na região de 0,23% em janeiro de 2025, enquanto no Brasil o aumento dos preços foi menor, de apenas 0,16%.
Vitor Sandes, cientista político e professor da Universidade Federal do Piauí, lembra que, mesmo com o saldo positivo de emprego e o reforço no Bolsa Família, a inflação de alimentos afeta o poder de compra da classe trabalhadora, com impacto negativo na imagem de Lula. Na avaliação do especialista, o governo percebeu o problema e passou a investir em programas sociais voltados para os públicos de baixa e média renda, como aqueles que facilitam o acesso a crédito ou a renegociação de dívidas e, mais recentemente, o empréstimo consignado para trabalhadores do setor privado e a isenção de imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais. “O cenário internacional não é, porém, nada favorável. Com a guerra comercial deflagrada por Trump, a conjuntura econômica tornou-se ainda mais desafiadora”, afirma. “Mesmo assim, acredito que, pela tendência e pela base sólida que o PT possui, o Nordeste deve manter sua fidelidade à candidatura petista. É preciso observar o quanto a direita poderá avançar na região, sobretudo considerando o voto evangélico, que tem sido um problema para a esquerda.”
A favor de Lula, pesa a boa relação com os governadores nordestinos, algo que não existia na gestão de Jair Bolsonaro, acrescenta Sandes. O deputado federal José Guimarães, uma das lideranças do PT no Ceará, comemora a tímida melhora na popularidade do presidente apontada na pesquisa mais recente do Datafolha. “Temos ainda todo o ano de 2025 para virar a chave, fazer entregas e reverter isso. Não tenho a menor dúvida que vamos continuar sendo a principal força política do Nordeste e, Lula, mais uma vez, sairá na dianteira. Até porque os nossos governadores estão bem avaliados. Já iniciamos um processo de superação”, diz o parlamentar.
Rui Costa recebeu a missão de acelerar as obras do PAC nos estados nordestinos
Vários eleitores nordestinos não disfarçam, porém, a decepção com o governo. “Estou muito triste com Lula por causa do preço dos alimentos. Por onde eu ando, todo mundo fala mal do governo e fica até difícil defendê-lo”, diz a pernambucana Jaciane Ferreira, beneficiária do Bolsa Família, que, mesmo descontente, diz estar disposta a renovar o voto no petista. Quem está em dúvida é administradora Bárbara Stival, moradora de Recife. “Votei em Lula em 2022, mas estou insatisfeita, não só pela inflação, mas pelas políticas populistas que podem, futuramente, prejudicar a população, como a expansão do empréstimo consignado para trabalhadores celetistas”, afirma.
A professora Ketelle Calumbi avalia que Lula apresenta um desempenho muito inferior ao dos dois primeiros mandatos. “Foram governos fora de série, voltados para os pobres. Na campanha, Lula prometeu que a classe trabalhadora voltaria a ter acesso a passagem de avião mais barata, comida boa na mesa, e o que a gente vê é o aumento no preço dos alimentos básicos.” Já o baiano Edgard Ramos pondera que Lula está tentando desfazer as ações “nefastas” do governo Bolsonaro e, por esse motivo, vai repetir o voto no petista em 2026. “Como aposentado, minha vida melhorou bastante no governo Lula. Com ele no poder, tenho mais segurança sobre as políticas públicas de seguridade social.”
Na visão do professor Michel Zaidan, cientista político e professor da UFPE, parte do desgaste do governo deve ser atribuído à mídia, que trata as ações da administração petista com má vontade, e também às dificuldades na comunicação digital. “Há muita manipulação e desinformação nas redes sociais. Além disso, há obstáculos que Lula não pode controlar, como a quebra de safras por questões climáticas ou a desvalorização do real.”
O senador Humberto Costa, presidente interino do PT Nacional, reconhece falhas na comunicação do governo, mas afirma que não pode ser desconsiderada a conjuntura. “Quando Lula assumiu, nem sequer havia orçamento aprovado e ainda tivemos de enfrentar uma tentativa de golpe de Estado”, afirma. “Tenho certeza de que não só o Nordeste, mas todo o Brasil, vai reconhecer os avanços obtidos pelo governo diante das urnas.”
De fato, a queda na popularidade ainda não afetou o favoritismo de Lula na corrida presidencial de 2026. Em todos os cenários traçados pelo Datafolha, o presidente figura na dianteira das intenções de voto, tanto no primeiro quanto no segundo turno (gráfico à pág. 27). Mesmo se pudesse se candidatar, Jair Bolsonaro não bateria o líder petista se a eleição fosse hoje – o ex-presidente continua inelegível, sem possibilidade de recurso na Justiça Eleitoral. “Não se deve menosprezar a vantagem do incumbente, que está sentado na cadeira, porque ele tem o controle da agenda, tem a iniciativa de políticas públicas e a capacidade de articulação”, explica Lavareda.
“No Nordeste, existe um eleitorado lulista que é crítico ao governo, mas jamais cogitou votar na direita ou se tornar bolsonarista. É muito difícil você ter um grande realinhamento de posições na região”, acrescenta o cientista político Cláudio André de Souza, professor da Unilab.
Já o colega Anderson Santos, da UFRN, destaca o peso de programas federais, como o Pé-de-Meia, que paga um auxílio aos estudantes do ensino médio para evitar a evasão escolar. “Provavelmente, o Nordeste continuará um bastião lulista, até porque a volta do bolsonarismo representa a secundarização da região, com a redução de políticas sociais e de incentivo à indústria, com evidente impacto no emprego e na renda da população.” •
Publicado na edição n° 1357 de CartaCapital, em 16 de abril de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘No bastião lulista’
Por:Carta Capital