Após dois dias de julgamento intenso, o comerciante Paulo Cupertino Matias, de 53 anos, foi condenado na noite desta sexta-feira (30) a 98 anos e 9 meses de prisão pelo assassinato do ator Rafael Miguel e de seus pais, João Alcisio Miguel e Miriam Selma da Silva. A sentença foi proferida pelo Tribunal do Júri de São Paulo, que considerou o réu culpado por homicídio triplamente qualificado. Outros dois acusados que também respondiam pelo crime foram absolvidos.
O crime, ocorrido em 9 de junho de 2019, chocou o país. Rafael Miguel, conhecido por seu papel na novela Chiquititas, tinha 22 anos e namorava Isabela Tibcherani Matias, filha do acusado. Cupertino não aceitava o relacionamento e agiu de forma violenta e premeditada, segundo apontou o Ministério Público durante o julgamento.
Motivação baseada em controle e ódio
De acordo com os autos do processo, Paulo Cupertino mantinha uma relação abusiva de posse com a filha e via com desprezo o namoro dela com Rafael. No dia do crime, Isabela se encontrou com Rafael em uma praça, próximo à residência da família, na zona sul da capital paulista. Ao perceber que a filha não estava em casa, Cupertino exigiu que a esposa, Vanessa Tibcherani de Camargo, a localizasse. Vanessa tentou contato, sem sucesso, e acabou ligando para o celular de Rafael. Quem atendeu foi a mãe do ator.
Preocupados com a situação, os pais de Rafael decidiram acompanhá-lo até a casa de Cupertino para conversar com o comerciante e buscar sua aceitação do namoro. Ao chegarem ao local, foram surpreendidos com uma série de disparos. Rafael e os pais morreram ali mesmo, vítimas de ao menos 13 tiros.
Após cometer o crime, Cupertino fugiu e permaneceu foragido por cerca de três anos, utilizando documentos falsos e disfarces. Ele foi localizado e preso em maio de 2022.
Promotores destacam crueldade e frieza
Durante o julgamento, o promotor Thiago Marin foi enfático ao afirmar que Cupertino agiu com “ódio” e “descontrole”. Em uma de suas declarações mais contundentes, Marin disse que o réu “mudou de tudo, menos de caráter”, referindo-se aos disfarces utilizados durante os anos em que esteve foragido.
A Promotoria também apresentou uma tatuagem que o réu tinha no braço com a frase “marginal sempre marginal”, a qual ele teria removido no período em que fugia da Justiça. A frase foi citada como símbolo do desprezo do acusado pelas normas sociais e legais.
O promotor Rogério Zagallo reforçou a tese da acusação ao questionar a narrativa da defesa de que Cupertino não teria sido o autor dos disparos. “Não tinha ninguém ali além do pai dela. A defesa não criou nenhuma hipótese plausível. Não houve roubo, não houve latrocínio, não houve nada além de uma execução direta”, afirmou.
Filha e ex-mulher relatam histórico de agressões
Os depoimentos de Isabela Tibcherani, filha de Cupertino, e da ex-esposa dele, Vanessa Tibcherani, foram determinantes para formar a convicção dos jurados. Ambas relataram um longo histórico de violência doméstica.
Isabela afirmou que sofreu agressões do pai desde a infância. “Ele quebrou um prato de vidro na minha cabeça”, contou, emocionada. Segundo ela, Cupertino também espancava a mãe na frente dos filhos. “Ele descamou as costas dela com um facão”, revelou, mencionando que, em seguida, o pai levou a família para a praia para disfarçar as marcas da violência.
Vanessa confirmou os episódios e revelou que teve o nariz quebrado quatro vezes e as costelas fraturadas em sete ocasiões. “Apanhei a vida toda. Imagina o que ele faria com uma pessoa estranha”, disse. A ex-mulher contou ainda que Cupertino agrediu até a própria mãe dela, uma idosa de cerca de 60 anos à época. Apesar de ter registrado boletins de ocorrência, ela afirmou que retirava as queixas por medo das ameaças do então marido.
Julgamento encerra um capítulo trágico
O julgamento teve início na quarta-feira (29) no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, e atraiu atenção da imprensa nacional. O júri popular acatou a tese do Ministério Público de que o crime foi cometido com premeditação, motivação torpe e impossibilidade de defesa das vítimas — os três qualificadores que ampliaram a pena.
A sentença imposta ao réu foi de 98 anos e 9 meses de reclusão em regime fechado, sem direito a recorrer em liberdade. A defesa ainda pode tentar reduzir a pena em instâncias superiores, mas a condenação marca o encerramento de um dos casos de maior comoção nos últimos anos no país.