Mais da metade da população brasileira é formada por mulheres. Também ultrapassa a casa dos 50% o número de eleitoras no País. Essa maioria inconteste tem sido, porém, ignorada no mundo da política. Apesar de alguns (poucos) avanços nas últimas décadas, cresce um movimento para apressar a busca pela igualdade de poder. Um Projeto de Lei protocolado no Senado estabelece uma cota obrigatória de 20% de mulheres nos assentos das Casas Legislativas em todo o País, das Câmaras de Vereadores ao Congresso. A proposta consta entre os quase 900 artigos do novo código eleitoral a ser analisado pela Comissão de Constituição e Justiça. Para entrar em vigor no próximo ano, o PL precisa ser aprovado pelas duas casas do Parlamento até outubro.
O relatório do novo código eleitoral estava na pauta da comissão para ser votado na quarta-feira 11, mas, diante da grande reação dos senadores e de mais 500 emendas apresentadas, a votação foi adiada para 9 de julho. Até lá, o relator vai reunir-se com os líderes partidários para incluir algumas emendas consensuais no texto. O projeto condensa sete leis que tratam do processo eleitoral. “Respeito a divergência, é impossível você fazer um código de 898 artigos e todo mundo concordar com 100% de tudo. Agora, eu vejo que, de todos os temas traçados, restaram uns três ou quatro, no máximo, em que há grandes diferenças”, salienta o senador Marcelo Castro, do MDB do Piauí, relator. “Se não chegarmos a um entendimento, também não tem problema. Faz parte da democracia. Se isso acontecer, aí vamos para a votação, faz-se o destaque, quem tiver maior número de votos vence e o código volta para a Câmara dar a palavra final. É assim que se faz a legislação.”
Líder da bancada feminina, a senadora Leila Barros (PDT–DF) vê a nova cota como um avanço à legislação que estabelece a reserva de 30% de candidaturas e gastos de campanha para as mulheres. A atual regra não assegura, porém, o porcentual entre os eleitos e é constantemente burlada pelos partidos políticos, que lançam nomes de laranjas para preencher o requisito. “Sabemos que, na prática, esses 30% nem sempre resultam em representatividade real. Em mais de 700 dos 5.571 municípios brasileiros não há sequer uma mulher eleita nas Casas Legislativas. Por isso, a obrigatoriedade de vagas é uma sinalização positiva”, diz a senadora, que salienta a importância de o relator acatar as emendas apresentadas pela bancada feminina. “Estamos acompanhando de perto esse processo, para avaliar quais de nossas propostas estão sendo acolhidas. Defendemos que as emendas apresentadas pela nossa bancada sejam incorporadas ao texto final, pois tornam a proposta mais robusta e efetiva para as mulheres”, completa.
“Sinalização positiva”, diz a senadora Leila Barros
Segundo a senadora Zenaide Maia, do PSD do Rio Grande do Norte, há o risco de a cota de 20% das cadeiras para mulheres excluir a reserva de 30% de candidaturas femininas por partido. “A proposta de criar uma cota de cadeiras é bem-vinda, mas não pode ser incluída no Código Eleitoral em troca de renunciarmos a direitos conquistados. Também não abrimos mão dos 30% de financiamento obrigatório do fundo eleitoral para candidaturas femininas, conquista que nos foi garantida pelo Poder Judiciário.” O novo código, diz Castro, não prevê o fim da reserva de 30% garantida em lei. “Nossa proposta prevê que todas as Casas Legislativas tenham, no mínimo, 20% de cadeiras reservadas para mulheres. O estado que tiver 30%, 40% ou 50% de mulheres eleitas não diminuirá, e esse porcentual será garantido. Na média geral, acredito que teremos de 25% a 30% de participação feminina efetiva na Câmara Federal e que essa mudança trará um impacto efetivo e será um forte incentivo para termos mais mulheres na política.”
Para a cientista política Luciana Santana, professora da Universidade Federal de Alagoas e integrante do Observatório da Eleição, o porcentual de 20% não contempla a representatividade feminina na sociedade brasileira. “Não considero que tornar obrigatório que 20% das vagas dos legislativos sejam destinadas a mulheres signifique um avanço, porque a gente já tem quase isso no Congresso. Para se falar em um avanço efetivo o ideal é que a gente tivesse mais que 30% de assentos reservados às mulheres. O que estão tentando fazer é colocar um teto, não um piso, em termos da participação das mulheres nesses espaços. O ideal seria a gente pensar em uma representação mais proporcional ao perfil da população.”
De fato, a cota obrigatória de 20% é praticamente a representação feminina na Câmara Federal, ocupada em 18% por mulheres, mas está longe de ser a realidade nas Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores. Até mesmo no Legislativo Federal, certas unidades da federação, como o Piauí, têm uma bancada totalmente masculina. Dos dez deputados que representam o estado, apenas uma mulher foi eleita, mas ela renunciou para assumir uma cadeira no Tribunal de Contas, abrindo caminho para o suplente, um homem. Na bancada pernambucana, dos 25 parlamentares eleitos em 2024, apenas três são mulheres. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, declarou-se contrário à cota, sob a alegação de que a regra poderia tumultuar o processo eleitoral nos Legislativos Municipais e Estaduais.
Além da cota feminina, o projeto inclui temas como a redução da quarentena para o afastamento de autoridades, como juízes, policiais e militares, que desejem disputar uma eleição, prazo para a prestação de contas por parte dos partidos sobre o porcentual de gasto com candidaturas de minorias, federação partidária, voto impresso e fake news. Um código extenso que promete muita confusão ainda. Alcolumbre comprometeu-se em colocar o projeto para votação em plenário assim que for aprovado pela CCJ, por considerar que o País necessita de uma legislação consolidada “que traga segurança jurídica e impeça mudanças de regras às vésperas das eleições.” •
Publicado na edição n° 1366 de CartaCapital, em 18 de junho de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Lugares reservados’
Por:Carta Capital