O deputado Arthur Lira, do PP de Alagoas, tinha duas preocupações ao deixar a presidência da Câmara em fevereiro. Não perder influência política e arranjar uma casa confortável para morar em Brasília. Até aqui, as coisas têm saído dentro dos conformes. Caberá ao parlamentar cuidar da lei mais importante para o governo Lula no ano, a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até 5 mil reais. Um desafeto, Glauber Braga, do PSOL do Rio de Janeiro, acaba de ser cassado pelo Conselho de Ética e aguarda uma decisão plenária. Em Rio Largo, terceira maior cidade alagoana e um dos redutos eleitorais de Lira, um golpe tentou degolar um prefeito que se aproximou do clã Calheiros, inimigo do deputado. E ainda surgiu em cena uma mansão de 10 milhões de reais.
Lira pagou essa quantia por uma casa numa área valorizada de Brasília, no último dia como inquilino da residência oficial do presidente da Câmara. Deu 3 milhões de entrada e financiou o resto via BRB, o banco público do Distrito Federal. A entrada equivale à metade do patrimônio declarado à Justiça Eleitoral em 2022. O preço do casarão é, segundo o parlamentar, compatível com 30 anos de negócios rurais. Essa exuberância de fazendeiro não tinha sido vista nos bens declarados em quatro campanhas. Ao concorrer a deputado estadual em 2006, afirmou possuir 695 mil reais. Na disputa seguinte, a primeira para deputado federal, acumulava 2 milhões. No mandato estadual de 2007 a 2010, Lira chegou a ser preso num escândalo de desvio de dinheiro da Assembleia Legislativa, do qual falaremos adiante.
No mandato de estreia em Brasília, Lira empobreceu: declarou 1,1 milhão de reais de bens em 2014, quase metade de 2010. Em 2018, o montante subiu para 1,7 milhão. Em 2022, no comando da Câmara havia quase dois anos, seus bens triplicaram: 5,9 milhões. “Qualquer mínima insinuação de irregularidade” sobre a origem dos recursos para comprar o imóvel, disse em uma nota pública, “será objeto das medidas judiciais cabíveis”.
Com o ex-presidente da Câmara à frente do projeto, os mais ricos podem dormir tranquilos
Na condição de relator da Lei do Imposto de Renda, estará em um ambiente em que se falará muito de dinheiro. Foi escolhido para a função pelo presidente da Câmara, Hugo Motta, logo após ambos voltarem de uma viagem de uma semana com Lula pela Ásia. Um correligionário de Lira cobiçava a relatoria. Aguinaldo Ribeiro havia sido o encarregado de dar a feição final à reforma tributária de 2023, que mexeu na taxação do consumo. É paraibano como Motta. O ex-presidente da casa levou, no entanto, a melhor. Claro: Motta deve a ele o comando da Câmara. “O Lira vai ajudar os amigos”, afirma um deputado governista sobre o trabalho à vista no IR.
Ajudar, neste caso, significa livrar uma parte dos ricos das garras do Leão. Para compensar a perda de arrecadação de 25 bilhões de reais com a isenção total de IR para salários de até 5 mil reais e parcial até 7 mil, o governo propõe cobrar mais de quem ganha acima de 50 mil. A isenção total beneficia 10 milhões de contribuintes, enquanto a taxação compensatória atinge 141 mil. O senador pelo Piauí, Ciro Nogueira, chefe do partido de Lira, propõe subir a régua da cobrança adicional de 50 mil para 150 mil reais. A mudança encolheria aquele universo de 141 mil ricos alcançados pela Receita Federal. Nogueira sugere, em troca, subir a tributação de bancos e reduzir incentivos fiscais.
O Ministério da Fazenda topa discutir alternativas compensatórias, desde que recaiam sobre os mais ricos. Premissa de caráter político. O governo quer mostrar à sociedade que fez justiça fiscal, ao tirar dos de cima para dar aos de baixo. O deputado que aposta na ajuda de Lira aos amigos receia que o alagoano desfigure o texto a ponto de roubar de Lula o discurso da justiça social. Desconfia que o ex-presidente da Câmara dará um jeito de colocar a oposição na canoa daqueles que contribuíram para isentar os 10 milhões de assalariados. Eis por que Lira tem dito nos bastidores que deseja aproveitar partes de uma lei proposta em 2021 pelo governo Bolsonaro sobre taxação de dividendos. “O Lira é um grande amigo meu”, disse o capitão a um podcast na quarta-feira 9.
Prosperidade. O sucesso no agro, nunca claramente declarado à Justiça eleitoral, bancou a casa de 10 milhões de reais que Lira comprou em Brasília – Imagem: Redes Sociais
Um grande “inimigo” está no cadafalso. Ter influência significa ter poder para operar certas vinganças. Em maio de 2022, Lira bateu boca no plenário com Glauber Braga. Estava na cadeira de presidente, quando ouviu: “Sr. Arthur Lira, eu queria saber se o senhor não tem vergonha”. Resposta: “Vergonha eu tenho de dizer que Vossa Excelência faz parte desse colegiado. E se puder não ter a sua companhia na próxima legislatura, eu ficarei mais feliz”. Um dia depois, o PL de Bolsonaro pedia a cassação de Braga. Deu em nada. Quase três anos depois, o Conselho de Ética aprovou a perda de mandato do psolista e mandou o caso ao plenário, um processo que tem as digitais de Lira.
O calvário de Braga, que entrou em greve de fome na quarta-feira 9, o dia da forca no conselho, começou por causa de uma briga, nas dependências da Câmara, com um militante provocador do MBL, em abril de 2024. O partido Novo pediu a cassação. Um aliado de Lira foi escolhido relator do caso no Conselho de Ética, Paulo Magalhães, do PSD da Bahia. Um sujeito que tinha lavado as mãos em outra decisão sobre decoro, aquela relacionada a Chiquinho Brazão, acusado de mandar assassinar Marielle Franco. Magalhães apresentou um relatório pela cassação do psolista. E rejeitou a convocação de certas testemunhas de defesa, entre elas Jullyene Lins, ex-mulher de Lira.
Braga se tornou desafeto de Lira não só por causa de bate-bocas no Congresso. Tornou-se um tormento para o alagoano quando o assunto é orçamento secreto e emenda parlamentar. Em fevereiro, o psolista depôs à Polícia Federal em um inquérito sobre emendas. A investigação apura uma decisão de Lira como presidente da Câmara, em dezembro de 2024, que driblou restrições do Supremo Tribuna Federal e liberou 4,2 bilhões de reais para as propostas de parlamentares. Braga descobriu que a cidade mais beneficiada foi justamente Rio Largo. O parlamentar sugeriu à PF botar lupa no município, de suma importância financeira, segundo Braga, para o ex-presidente da Câmara. Cidade palco de incríveis acontecimentos recentes.
Em 31 de março, o presidente da Câmara de Vereadores, Rogério Silva, do PP de Lira, leu as cartas de renúncia do prefeito, Carlos Gonçalves, e do vice, Peterson Henrique da Silva, e declarou-se o novo mandatário. “Foi uma tentativa de golpe que não expressava minha vontade”, disse Gonçalves a CartaCapital. O golpe foi desarmado pela Justiça, que devolveu o prefeito ao cargo. E foi tramado, ao que parece, pelo antecessor do prefeito, Gilberto Gonçalves, o GG, aliado de Lira.
Alvo na testa. O psolista Glauber Braga paga um preço alto pelo destemor de enfrentar o ex-presidente da Câmara. Seu destino estará selado? – Imagem: Vini Loures/Agência Câmara
Em 2007, GG e Lira foram presos pela Operação Taturana, por causa de fraudes na Assembleia de Alagoas. Haviam sido deputados estaduais pelo mesmo partido, o PMN, de 2003 a 2006, época dos fatos investigados. Durante as apurações, a polícia gravara um telefonema de GG para um funcionário de recursos humanos da Assembleia: “Quero meu dinheiro. E não venha com desconto de INSS, não, porque isso é dinheiro roubado”. Lira foi condenado em duas instâncias e só não é ficha-suja graças a uma liminar de 2018 do Superior Tribunal de Justiça.
GG, eleito e reeleito prefeito de Rio Largo em 2016 e 2020, seria preso mais três vezes. Na última, em razão de suspeitas de corrupção que envolviam distribuição de dinheiro em um beco da cidade. GG inventou a candidatura de Carlos Gonçalves, sobrinho de sua esposa, para seguir a mandar no pedaço. Eleito pelo PP em 2024, o atual prefeito não nega a assinatura na carta de renúncia. Há rumores em Alagoas de que teria sido coagido pelo padrinho político a assiná-la, uma maneira de manter o cabresto no pescoço do afilhado. No último dia no poder em Rio Largo, GG criou o cargo de secretário de governo para ele próprio ocupar na gestão seguinte. Foi demitido no dia do golpe, embora o alcaide reempossado, aparentemente interessado numa trégua, negue relação entre os fatos.
Na semana anterior à demissão e ao golpe, Carlos Gonçalves tinha ido ao chefe do Ministério Público em Alagoas relatar tentativas de reconhecimento de sua assinatura em cartórios. Também havia lavrado um Boletim de Ocorrência na polícia sobre notícias falsas de que renunciaria. Agora anda com escolta policial, embora tenha dito à reportagem que o motivo não é o medo de atentado, mas uma precaução diante dos altos índices de homicídio na cidade.
Lira tenta desfazer a aliança da família Calheiros com o prefeito de Maceió
Rio Largo é o terceiro maior colégio eleitoral de Alagoas, com 93 mil habitantes. Tem importância política, portanto. Lira quer concorrer ao Senado no ano que vem e tinha em GG um cabo eleitoral. O atual prefeito foi a Brasília após o golpe. Segundo a mídia alagoana, encontrou Lira. A CartaCapital, negou o encontro. Sua relação com GG desandou após outra visita a Brasília. Em 11 de março, reunira-se com o senador Renan Calheiros e seu filho, o ministro dos Transportes. O caminho de Lira rumo ao Senado em 2026 por ora está bloqueado justamente pelas costuras de Calheiros.
Na eleição de 2026, cada estado escolherá dois senadores. Calheiros tentará a reeleição. Até este momento, tem um acordo de cavalheiros com o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, do PL: um não atrapalha o outro. JHC, como é conhecido, também quer o Senado. A mãe, Dra. Eudócia, é senadora pelo PL e seu mandato termina em 2026. Ela era suplente, assumiu após Rodrigo Cunha, do Podemos, renunciar para concorrer a vice na chapa de Caldas em 2024. Até unir-se a Cunha, JHC era aliado de Lira. Este queria ter indicado o vice do prefeito. Caso JHC deixe a prefeitura em 2026 para disputar o Senado, o comando do maior eleitorado alagoano não terá um devedor de Lira, mas do prefeito. Maceió possui 950 mil habitantes. Alagoas, 3,1 milhões.
Renan Filho é senador desde 2023 e tende a disputar de novo o governo do estado em 2026. Desponta como favorito, havia deixado o cargo com ibope alto. Em suma, desenha-se uma aliança entre Renan pai e filho com JHC. Comenta-se no Senado que Lira tem tentado convencer Lula a implodir de alguma maneira a candidatura de Renan Filho. Seria uma forma de desfazer o palanque dos seus pesadelos. Na terça-feira 8, o ex-presidente da Câmara conversou por duas horas com o líder do governo no Senado, Jaques Wagner, do PT, sobre a situação no estado. Usará a Lei do Imposto de Renda para tentar conseguir o que quer? •
Publicado na edição n° 1357 de CartaCapital, em 16 de abril de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Lira sai da sombra’
Por:Carta Capital