Bloqueio na rodovia BR-163, próximo ao município de Itaituba, chega ao sétimo dia (Janilson saw/Coletivo Wakoborun)
31 de março de 2025
Fabyo Cruz – Da Cenarium
BELÉM (PA) – Indígenas da etnia Munduruku mantiveram bloqueada nesta segunda-feira, 31, a rodovia BR-163, no sétimo dia de protesto realizado próximo ao município de Itaituba (PA), localizado a 1.304 quilômetros de Belém. A mobilização é contra a Lei 14.701, que oficializa o Marco Temporal, que estabelece a data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, como limite para se reclamar a demarcação das terras indígenas, obedecendo a determinados critérios.
O movimento também cobra uma audiência com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, relator de ações relacionadas ao tema no Judiciário. Durante o ato, os manifestantes afirmaram: “Se algo acontecer na BR, se houver violência contra nossos parentes, se alguém morrer, a culpa será de Gilmar Mendes”.
A manifestação começou no dia 25 de março, quando os indígenas ergueram barricadas com troncos, galhos e pneus em chamas, além de cartazes contra o ministro do STF. O protesto que fecha a rodovia federal se intensificou com a chegada de povos originários da região do Baixo Tapajós e da etnia Arapiuns.
Além das pautas da manifestação, os indígenas também denunciam tentativas de furar o bloqueio, ameaças e violência por parte de motoristas que tentam passar pela rodovia. As denúncias incluem episódios em que pedras foram arremessadas e caminhões quase atropelaram manifestantes, entre eles crianças e idosos.

Na última quinta-feira, 27, Gilmar Mendes decidiu retirar o tema da mineração em terras indígenas do processo de conciliação sobre o marco temporal. No entanto, a ameaça permanece, segundo os indígenas. À CENARIUM, Alessandra Munduruku, uma das lideranças do movimento, disse que “uma carta representando os povos indígenas será enviada ao STF”.
Durante a reunião da comissão especial, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou uma proposta de alteração da lei, que prevê compensação ou indenização por terras, caso tenha havido erro do Estado na emissão de títulos de propriedade. A previsão de indenização por “posse de boa-fé” já fazia parte da decisão do STF sobre o marco temporal e da proposta de Gilmar Mendes.
A expectativa é que a próxima – e possivelmente última – reunião antes da aprovação do texto final ocorra na próxima quarta-feira, 2 de abril, mas há possibilidade de prorrogação dos trabalhos da comissão.
Marco Temporal
A tese do Marco Temporal estabelece que os povos indígenas só podem reivindicar terras que ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Em setembro de 2023, o STF considerou a proposta inconstitucional, mas, ainda assim, o Congresso aprovou a Lei 14.701/23 após derrubar vetos presidenciais a pontos centrais do texto.
Com o impasse, o STF criou uma comissão para revisar a legislação, e o processo está sob relatoria de Gilmar Mendes. Desde 24 de agosto do ano passado, a Comissão realiza audiências, com debates sobre a jurisprudência do Marco Temporal e sugestões de alterações na lei em vigor que, ao final, serão apresentadas ao Poder Legislativo.

Para os Munduruku, a negociação conduzida pelo STF não contempla os direitos indígenas, especialmente em pontos que possibilitam mineração e arrendamento de terras, sem garantir consulta prévia às comunidades. Alessandra Munduruku afirma que os manifestantes não deixarão o local até que seus direitos sejam garantidos:
Os indígenas enfatizam que a mobilização continuará enquanto houver ameaças aos seus direitos territoriais e que a luta contra o Marco Temporal e a exploração de suas terras é um compromisso com a preservação de sua cultura e modo de vida.
Leia a íntegra da nota enviada ao STF e assinada pelo Movimento Munduruku Ipereğ Ayũ“
“Nós, do Movimento Munduruku Ipereğ Ayũ – caciques, cacicas lideranças, guerreiras, guerreiros, crianças, pajés –, estamos há sete dias em ocupação na BR-230, região de Itaituba-PA, exigindo uma audiência urgente com o Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Nosso movimento é pacífico, porém temos sofrido repetidos ataques e ameaças de caminhoneiros, incluindo xingamentos, arremesso de pedras, disparos e manobras violentas com veículos.
Repudiamos veementemente essas agressões que colocam em risco a vida do nosso povo e declaramos que o STF será responsabilizado por qualquer dano que venhamos a sofrer, pois estamos aqui lutando para sermos ouvidos. Já que a Câmara de conciliação do Ministro Gilmar Mendes foi criada sem a devida consulta prévia aos povos Indígenas.
O Marco Temporal, amplamente defendido pelo agronegócio, viola nossos direitos originários e fere a Constituição Federal, que reconhece nossa ancestralidade e a demarcação de nossas terras. O Ministro Gilmar Mendes e outros integrantes do STF detêm poder para definir o rumo de decisões que afetam nossas vidas, mas preferem seguir trilhas que atentam contra direitos que nos cabem muito antes da formação do Estado Brasileiro.
Enquanto são realizadas reuniões fechadas, sem consulta livre, prévia e informada, o Povo Munduruku segue resistindo embaixo de chuva e de sol na proteção de territórios como Sawre Ba’pin e Sawre Muybu, cujas demarcações vêm sendo ameaçadas ou paralisadas. Tentam ainda nos enganar ao retirar a mineração da pauta, mas mantêm múltiplos ataques à nossa existência, o que não aceitaremos.
Destacamos, ainda, que estamos sofrendo pressões de empresas ligadas ao agronegócio e recebendo intimidações judiciais que buscam reprimir nossa ocupação, com uso das forças armadas do estado, na tentativa de violar nossos direitos humanos e direito a manifestação. No entanto, este trecho da BR-230 que sobrepõe a BR 163 – fundamental para o escoamento da soja e símbolo do poder econômico que impulsiona o Marco Temporal – permanecerá interrompida enquanto nos negarem o devido reconhecimento.
Reafirmamos nosso apelo por diálogo direto: queremos uma audiência imediata com o Ministro Gilmar Mendes, na qual nossas vozes sejam de fato escutadas. Se não houver resposta positiva em até 24 horas após o recebimento deste documento, intensificaremos a mobilização e manteremos a paralisação total da rodovia. Não será a primeira vez que exigimos ser ouvidos, mas nunca fomos considerados realmente.
Não recuaremos, pois esta luta não começou agora – temos ido a Brasília inúmeras vezes, mas nunca fomos de fato ouvidos. Caso nosso povo sofra consequências ainda mais graves, atribuímos a responsabilidade ao STF e toda câmara de conciliação convocada pelo Ministro Gilmar Mendes para negociar nossos direitos, que insiste em nos ignorar como sujeitos de direitos.
Por fim, exigimos respeito à Constituição Federal e às leis que protegem os povos indígenas. Não deixaremos este local enquanto não houver diálogo verdadeiro. Nosso compromisso não é apenas com o presente, mas com as futuras gerações: nossos filhos, netos e todos que ainda virão. Não abriremos mão dos direitos que conquistamos com séculos de luta e resistência.”
Leia mais: Ministro pede intérpretes de línguas indígenas para comissão do STF
Editado por Jadson Lima
Fonte: Agência Cenarium