Imagem aérea da obra no Parque dos Bilhares (Composição: Lucas Oliveira/Cenarium)
29 de março de 2025
Ana Pastana – Da Cenarium
MANAUS (AM) – O movimento “Salve o Parque dos Bilhares”, representado pelo engenheiro agrônomo Carlos Alberto Soares de Magalhães, protocolou um documento no Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) no qual solicita, com urgência, a anulação do desembargo e aponta irregularidades nas obras da construção da nova sede da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Sustentabilidade e Mudança do Clima de Manaus (SemmasClima), no Parque Municipal dos Bilhares, na Zona Oeste de Manaus.
No documento protocolado na quarta-feira, 26, com cópia para a Polícia Federal (PF), Ministério Público do Amazonas (MP-AM), Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM) e o Ministério Público de Contas (MPC), os representantes solicitam o desembargo da obra no parque público e um novo embargo imediato da obra da construção do prédio da secretaria municipal.

O pedido cita que o desembargo foi autorizado pelo ex-presidente do Ipaam, Juliano Valente, alvo da “Operação Expurgare“, em dezembro de 2024. Além do ex-gestor, a operação mirou servidores do órgão suspeitos de utilizarem da função para a emissão de licenças ambientais fraudulentas, suspensão de multas, embargos e autorizações ilegais para desmatamento. Ele foi exonerado no mesmo mês.
“Considerando a Operação Expurgare da Polícia Federal que ocorreu no dia 09/12/2024 […] e considerando que o ato de desembargo da obra no Parque dos Bilhares deu-se na gestão do presidente Juliano Valente, um dos envolvidos no grupo da Polícia Federal, e que o mesmo através de ato discricionário fez o desembargo sem a devida consideração das normas ambientais aplicáveis, viemos por meio deste requerer a anulação urgente do ato discricionário de desembargo da obra no Parque dos Bilhares e o embargo imediato da obra“, consta em trecho do documento.

Laudo do MPC já havia apontado as possíveis ilicitudes e má gestão do Ipaam, sobre as licenças ambientais para as obras da construção do prédio da SemmasClima. O parecer do órgão, assinado pelo procurador de contas Ruy Marcelo Alencar de Mendonça, em fevereiro deste ano, recomendou a demolição da estrutura já construída no local.
“[…] Imediata recomposição da área sob intervenção, inclusive com a eventual demolição de estruturas existentes, bem como replantio de árvores eventualmente removidas“ alegou, além da “liquidação dos prejuízos sofridos pela administração municipal em face da condução incorreta desse processo, para busca de ressarcimento, em conformidade com a legislação vigente”.
O documento também aponta que as obras no Parque dos Bilhares cometeu infrações administrativas ambientais e que o Ipaam, na gestão anterior, não levou em consideração esse ponto no momento da realização do desembargo da obra. A ação, segundo o MPC, demonstra indícios de omissão e conivência, podendo o órgão estadual ser corresponsabilizado pela destruição de uma área verde na capital amazonense.
Autorização irregular
De acordo com o protocolo, uma obra desta proporção, com quatro andares, estacionamento para 127 veículos, arruamento dentro do Parque dos Bilhares e o corte de 132 árvores, precisa ter o licenciamento ambiental emitido pelo órgão estadual responsável, o Ipaam, como determina a resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente do Amazonas (Cemaam) N° 15/2023.
Segundo as informações que constam na documentação, a Declaração de Inexibilidade emitida pela Semmas não caberia à autorização da obra, pois “a atividade desse porte de construção civil e infraestrutura não consta nas atividades delegadas pelo Ipaam à Semmas“.

“Essa atividade de construção civil é licenciada pelo Ipaam, e o Ipaam não poderia ter delegado para a própria Semmas. O Juliano [ex-secretário do Ipaam] fez isso, fizeram um parecer para a Semmas licenciar e a Semmas expediu uma Declaração de Inexibilidade que também não cabe para esse tipo de obra, inclusive, tem uma resolução do Conselho Estadual de Meio Ambiente que definiu as atividades que a Semmas pode licenciar“, disse o engenheiro agrônomo Carlos Alberto Soares de Magalhães.
Magalhães afirma ainda que, apesar dos laudos técnicos emitidos pelo TCE-AM e MPC apontarem irregularidades e ilicitudes nas obras da construção do prédio da pasta municipal, a Semmas, por meio do novo secretário da pasta, o ex-vereador François Vieira da Silva Matos, conhecido como Professor Fransuá, assinou um aditivo para a retomada das obras que estavam paradas.
“Está tramitando também um processo no Conselho Estadual do Meio Ambiente para recomendar a suspensão da obra. O novo secretário da Semmas assinou um aditivo para a retomada das obras em fevereiro, a obra já estava parada. A Semmas alega ter uma liminar, mas esses fatos são novos“, disse Carlos.
Cemaam
Uma carta aberta também foi enviada ao presidente e conselheiros do Cemaam citando a violação da resolução 15/2013 do órgão pela Semmas e a violação do Art. 37 do Código Ambiental de Manaus, na qual define as finalidades das áreas verdes da cidade.
Citando cerca de 3 mil pessoas que subscrevem o abaixo-assinado, a carta cita as violações cometidas pela SemmasClima que implica diretamente na destruição da área verde do Parque dos Bilhares.

O documento solicita a recomendação da Cemaam à Semmas para suspender a obra no Parque dos Bilhares e, considerando a violação feita pela secretaria ambiental municipal, que mude o local da construção do prédio da sede.

Laudo Técnico
Desde 2024, movimentos sociais de Manaus tentam impedir a construção da nova sede da SemmasClima. Inicialmente, para realizar a construção do prédio, o órgão municipal ambiental autorizou a derrubada de 132 árvores da área verde. De acordo com o movimento “Salve o Bilhares”, foram derrubadas mais de 40 espécies de árvores, sendo, 15 árvores da espécie biarana e 15 mandubirás.
Em novembro do mesmo ano, o TCE-AM, por meio da Diretoria de Controle Externo de Obras Públicas (Dicop), recomendou a paralisação urgente das obras da construção da SemmasClima. O laudo técnico conclusivo, assinado pelo auditor técnico de controle externo de obras públicas, Dayvson Carlos Batista de Almeida, havia apontando que a construção de um prédio público em área sujeita a inundações compromete a continuidade das obras.
De acordo com as imagens de satélite cedidas pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB), no local da construção ainda há risco de inundações. Imagem aérea disponibilizada pelo órgão mostra que a área delimitada na cor roxo, que sobrepõe o local onde deve ser construída a edificação, ficou alagada na cheia história de 2021, quando o igarapé que cerca o parque atingiu a cota máxima, de 30,02 metros.

O que diz especialista
Para o ambientalista Jossimar Farias, não há justificativa para que o prédio que abrigará a sede da SemmasClima seja construído em uma área verde. Farias critica a escolha do local para a obra e afirma que a gestão municipal dispõe de instrumentos de desapropriação de terrenos, por exemplo, caso não houvesse outro local para a construção da sede da pasta do meio ambiente da capital amazonense.
“Se a justificativa é uma nova sede, não entendemos o porquê construir nas poucas áreas verdes que a cidade ainda tem, quando existem vários terrenos inutilizados, inclusive pertencentes à própria prefeitura. Ainda que não houvesse terrenos disponíveis, a prefeitura tem o instrumento de desapropriação, garantido pela supremacia do interesse público, para adquirir um terreno particular”, disse.
A defesa
No laudo emitido pelo MPC, em fevereiro deste ano, o ex-secretário municipal da SemmasClima Antônio Stroski afirmou que “classificar a área como de ‘potencial risco futuro’ é especulativo e carece de análise técnica detalhada”. O ex-gestor da pasta municipal também afirmou que “a alteração do solo não implica automaticamente em risco”.
Por sua vez, de acordo com o documento, o ex-diretor-presidente do Ipaam Juliano Valente afirmou que “a Declaração de Inexigibilidade (DI) foi emitida com base em informações autodeclaradas pela empresa N. J Construções, empresa responsável pela obra, que afirmou não haver intervenção em Área de Preservação Permanente (APP)”. (Veja o laudo técnico no qual constam as declarações dos ex-gestores no final da reportagem)
A CENARIUM entrou em contato com os citados, os órgãos responsáveis e com a nova gestão da SemmasClima e do Ipaam para solicitar um novo posicionamento, e aguarda retorno.
A obra
O anúncio da nova sede da SemmasClima aconteceu em novembro de 2023, durante a reinauguração da primeira parte do Parque dos Bilhares. De acordo com a publicação do Diário Oficial do Município (DOM) de julho de 2023, o valor global das obras devem custar R$ 13.603.447,82 ao município .

A CENARIUM esteve no local das obras da construção do novo prédio da SemmasClima, no Parque dos Bilhares, em novembro de 2024. Como mostra as imagens, as obras estavam paradas, contendo apenas vergalhões e algumas estacas, que servem de apoio para a continuidade das obras.

Novas imagens cedidas por Magalhães mostram o atual andamento da obra, que voltou a ser feita em fevereiro deste ano. De acordo com o engenheiro agrônomo, nas imagens recentes, é possível notar que a construção avançou em comparação a novembro do ano passado.
Veja o laudo técnico:
Fonte: Agência Cenarium