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quinta-feira, 22 maio, 2025
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Fundo do mar revela segredos da evolução humana

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Quatro estudos separados publicados na revista científica Quaternary Environments and Human analisaram fósseis de um ancestral humano extinto encontrados no fundo do mar, na Indonésia. Os ossos pertencem ao Homo erectus, uma espécie que viveu há centenas de milhares de anos. 

A descoberta desses restos mortais indica que essa população, até então desconhecida, pode ter convivido com humanos mais modernos. Os fósseis estavam em um local submerso que já foi terra firme na última era do gelo.

Mais de seis mil fósseis de animais marinhos e terrestres também foram sugados do fundo do mar junto com esse achado, por máquinas de um projeto de construção na ilha de Java,  especificamente no Estreito de Madura. Essa é a primeira vez que cientistas encontram fósseis humanos em áreas que estavam submersas desde o fim da última era glacial, quando o nível do mar era bem mais baixo do que hoje.

Na linha “A”, imagens reais de um fragmento frontal do Homo erectus com toro supraorbital dextral. Na linha “B”, imagens renderizadas de superfície 3D baseadas em tomografia computadorizada. Em “C” e “D”, imagens renderizadas de superfície 3D baseadas em TC de MS1 em orientações diferentes. Crédito: H.W.K. Berghuis et. al

Há cerca de 140 mil anos, a região conhecida como Sundaland era uma imensa planície com rios, peixes, tartarugas, tubarões de água doce e grandes animais terrestres como elefantes, búfalos e o extinto Stegodon. Esses campos férteis ligavam várias ilhas, como Java e Madura, ao continente asiático. Durante as glaciações, o mar recuava e revelava essas terras, que se tornavam importantes áreas de caça.

A presença do Homo erectus nessa região mostra que ele aproveitava essas áreas ricas em alimento. Esse grupo habitava as margens dos rios e caçava tanto animais aquáticos quanto terrestres. Os pesquisadores também encontraram marcas de cortes nos ossos de alguns animais, o que indica que eles abatiam tartarugas e grandes mamíferos de forma organizada.

Curiosamente, os cientistas perceberam que os Homo erectus caçavam animais bovídeos – parecidos com bois – em idade adulta, quando eram mais nutritivos. Esse tipo de caça seletiva é uma prática mais típica de humanos modernos. Isso levanta a hipótese de que o Homo erectus indonésio tenha aprendido essa técnica com outros grupos humanos que viviam na região.

Em entrevista ao site Live Science, Harold Berghuis, autor principal de um dos estudos e pesquisador da Universidade de Leiden, na Holanda, essa estratégia pode ter sido desenvolvida de forma independente. No entanto, ele também considera possível que tenha ocorrido um tipo de troca cultural entre o Homo erectus e outras espécies humanas. “Isso abriria novas possibilidades para entender como diferentes grupos humanos antigos interagiam entre si”.

Pesquisadores encontraram os ossos de Homo erectus entre mais de 6.000 fósseis dragados no Estreito de Madura, na Indonésia. Crédito: Harold Berghuis

Árvore genealógica da humanidade é complexa

O Homo erectus é uma das espécies mais importantes da nossa linha evolutiva. Ele surgiu há cerca de dois milhões de anos e foi o primeiro ancestral a ter um corpo parecido com o nosso. Também foi o primeiro a sair da África e se espalhar por regiões como o sudeste da Ásia. Outros grupos humanos, como os neandertais e denisovanos, vieram depois, mas ainda é pouco claro como esses grupos conviveram ou influenciaram uns aos outros.

A árvore genealógica da humanidade é bastante complexa, especialmente no sudeste asiático. De acordo com Berghuis, por volta de 350 mil anos atrás, o Homo erectus começou a ser substituído por espécies mais modernas. Mesmo assim, ele sobreviveu na ilha de Java até cerca de 117 mil anos atrás. Já os Homo sapiens, nossa espécie, chegaram à região cerca de 77 mil anos atrás.

A descoberta só foi possível graças a uma grande obra de construção realizada entre 2014 e 2015 no Estreito de Madura. Durante o projeto, mais de cinco milhões de metros cúbicos de areia e rochas foram retirados do fundo do mar perto da cidade de Surabaya, com o objetivo de criar uma ilha artificial. Esse processo, chamado dragagem, envolve sugar sedimentos do fundo do mar com uma espécie de aspirador gigante.

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Apesar do impacto ambiental da dragagem, que pode prejudicar ovos e animais pequenos, ela também trouxe à tona fósseis valiosos. O sedimento foi descarregado em uma área onde seria construída a nova ilha. Foi nesse local que Berghuis, atuando como consultor, passou semanas procurando fósseis. No último dia de trabalho, ele finalmente encontrou um fragmento de crânio humano.

Berghuis levou o osso ao hotel e o comparou com imagens de fósseis de neandertais encontrados no Mar do Norte. A semelhança era grande, mas análises posteriores confirmaram que se tratava de um Homo erectus, provavelmente um adolescente ou adulto jovem. Outro fragmento encontrado por ele também pertencia a um indivíduo da mesma espécie, mas ainda em idade infantil.

Os cientistas não conseguiram determinar como esses indivíduos morreram. Ainda assim, os fósseis representam apenas uma parte das descobertas. Os pesquisadores identificaram resquícios de 36 espécies diferentes entre os 6.372 fragmentos recuperados. Um destaque entre eles foram os restos de dragões-de-komodo, lagartos gigantes que ainda existem em algumas ilhas da Indonésia.

Esses répteis são conhecidos por caçar animais grandes usando mordidas venenosas e bactérias. Hoje, estão ameaçados de extinção, mas os estudos sugerem que, naquela época, eram os principais predadores das planícies de Sundaland. Segundo Berghuis, os dragões-de-komodo podem ter dominado o ecossistema local por milhares de anos. As descobertas ajudam a montar um retrato mais completo da vida antiga no sudeste asiático.




Fonte: Olhar Digital

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