A ciência vive de lógica, rigor e comprovação, mas isso nunca impediu um bom cientista de ter senso de humor. E, vez ou outra, de dar uma rasteira na formalidade. Em meio a fórmulas complicadas, gráficos enigmáticos e bibliografias sem fim, surgem histórias que desafiam o comum. Histórias que revelam heróis incomuns, e em alguns casos, peludos.
Em 1975, Chester, um felino perfeitamente comum, ganhou o status extraordinário de coautor de um artigo científico publicado em uma revista respeitada. Sim, Chester assinou um paper. E essa não é uma metáfora.
Chester: conheça a história de como um gato ‘escreveu’ um artigo científico em 1975

Chester não era um físico, tampouco sabia escrever ou resolver equações. Na verdade, ele era um gato doméstico de estimação, daqueles que sobem na mesa sem pedir licença e deitam em cima dos papéis importantes.
Ainda assim, seu nome foi parar na autoria de um artigo científico publicado na década de 1970, ganhando status de lenda nos corredores da ciência moderna e, curiosamente, até hoje é lembrado como o único felino a coassinar um estudo de física teórica.
Tudo começou na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. O físico Jack H. Hetherington, pesquisador do departamento de física, estava redigindo um artigo técnico sobre propriedades dos átomos de hélio em temperaturas extremamente baixas.
Durante a preparação do manuscrito, ele cometeu um erro que hoje seria banal de corrigir: escreveu todo o artigo utilizando pronomes na primeira pessoa do plural, como “nós fizemos”, “nós observamos”, “nós concluímos”.
O problema era que Hetherington era o único autor real do estudo. E, naquela época, revistas científicas como a Physical Review Letters tinham diretrizes rígidas: não era permitido usar “nós” se o trabalho tivesse apenas um autor.

Ao ser alertado por um colega sobre esse detalhe, Hetherington viu-se diante de uma escolha. Ele poderia reescrever o artigo inteiro, trocando os pronomes por formas adequadas à autoria singular, o que significaria retrabalho e, provavelmente, perder o timing da submissão.
Ou, então, ele poderia encontrar uma forma criativa de contornar o problema. Foi aí que ele decidiu incluir um segundo autor fictício no artigo: F. D. C. Willard. Esse nome, no entanto, não foi escolhido aleatoriamente. Ele era um codinome para o verdadeiro “coautor”: seu gato Chester.
O nome completo, F. D. C. Willard, significava “Felix Domesticus, Chester Willard”, sendo que “Willard” vinha do nome do pai do gato. Hetherington achou que soaria sério o suficiente para não levantar suspeitas. Com o nome adicionado, ele enviou o artigo para a revista. O texto foi aceito, publicado, e logo se tornou uma referência no campo da física do hélio líquido.

O artigo foi publicado na Physical Review Letters em novembro de 1975 com dois autores na linha de crédito: J. H. Hetherington e F. D. C. Willard. E, por um bom tempo, ninguém suspeitou de nada. Foi só mais tarde que Hetherington revelou a verdade, rindo do episódio com amigos e colegas.
O caso não causou escândalo, mas caiu nas graças da comunidade científica, que viu com humor a solução engenhosa do físico para um problema editorial. Com o passar dos anos, a história ganhou o status de lenda acadêmica. Em 1982, Hetherington chegou a publicar outro artigo, desta vez inteiramente assinado por F. D. C. Willard, como uma brincadeira interna.
A publicação foi feita em francês, em um periódico da Universidade de Grenoble, na França. O título tratava de propriedades do hélio-3 e hélio-4, e o conteúdo era científico, embora o nome do autor fosse o de um gato. O artigo de Chester se tornou uma das raras exceções em que um animal doméstico assinou sozinho um trabalho científico de verdade.
O caso de Chester levanta discussões curiosas sobre autoria científica, critérios de credibilidade e, claro, a rigidez de certas normas editoriais que podem acabar incentivando situações inusitadas. Em um momento em que a ciência busca cada vez mais transparência e ética nas publicações, essa história é uma lembrança bem-humorada de como criatividade e rigor podem ocasionalmente se chocar de forma inesperada.

Chester, por sua vez, ganhou fama póstuma. Seu nome ainda aparece em catálogos acadêmicos, e ele é lembrado por muitos como o “único gato físico teórico” da história.
Embora nunca tenha posto as patas em um laboratório ou escrito uma fórmula sequer, sua contribuição simbólica representa mais do que uma anedota. Ela mostra como até mesmo um animal de estimação pode, por acaso, fazer parte da história da ciência.
Vale dizer que, embora o episódio seja visto com simpatia, ele provavelmente não seria bem recebido nos padrões atuais de revisão por pares e exigências de responsabilidade acadêmica. Ainda assim, a história sobre Chester continua sendo contada em universidades, congressos e salas de aula como exemplo de humor, criatividade e das pequenas brechas que existem mesmo nos ambientes mais formais. Afinal, quem diria que um gato doméstico acabaria eternizado nas páginas da física teórica?
Com informações de Live Science.
Fonte: Olhar Digital