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sábado, 10 maio, 2025
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A rota de Manuela D’Ávila para religar a esquerda à base – CartaCapital

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A um ano e meio das urnas de 2026, a esquerda brasileira ainda procura caminhos para falar de futuro sem ficar prisioneira das engrenagens do governo Lula. Reconectar‑se à base trabalhadora, desviar de pautas caras ao bolsonarismo e disputar a opinião pública além das timelines são como tarefas urgentes, aponta a ex‑deputada Manuela D’Ávila.

Alvo da violência da extrema-direita, Manuela se afastou da política institucional – não disputa eleições desde 2020 e, em 2024, desfiliou-se do PCdoB. Mas sinaliza que em breve voltar a integrar um partido. “É uma coisa da qual sempre me orgulhei, é a forma de disputa da política mais avançada.”

O êxito do Festival Mulheres em Luta, que reuniu milhares de participantes e parlamentares de oito partidos, reforçou sua convicção na construção de frentes amplas: “Precisamos articular agendas comuns que apaguem as barreiras partidárias.”

Nesse esforço, ela enxerga a luta pelo fim da escala 6×1 — movimento que nasceu pelas mães de ex‑balconista Rick Azevedo, hoje vereador pelo PSOL no Rio — como ‘o experimento mais ousado e enraizado na classe trabalhadora surgido nos últimos tempos’. “Está ligado a uma agenda de classe e lembra que a vida não cabe só no trabalho”, diz a CartaCapital. “Nosso desafio é fazer com que esse tipo de mobilização caiba na vida do povo trabalhador.”

Confira os destaques da entrevista.

CartaCapital: Como a esquerda chega a 2026? A melhora na popularidade de Lula e o ajuste no tom de comunicação serão suficientes para barrar a extrema‑direita?

Manuela D’Ávila: Precisamos intensificar a capacidade e a disputa de valores na sociedade, nos apresentarmos ao povo. Não dá para deixar tudo nas mãos e sob a responsabilidade do governo. A extrema-direita disputa em muitos sentidos. E também não dá para achar que os nossos problemas são de comunicação, stricto sensu. É bem mais complexa a nossa questão com as redes do que um problema de comunicação. Precisamos fazer a disputa fora do governo. Socialmente. É essa disputa que precisamos reforçar para aumentar a nossa chance de vitória em 2026.

CC: Muito se fala sobre a dificuldade da esquerda em mobilizar a população. Demandas como o fim da escala 6×1 podem ser um caminho de reconexão?

MD: O Vida Além do Trabalho é uma das coisas mais criativas, ousadas e conectadas com a classe trabalhadora que surgiram no último período. Está ligado a uma agenda de classe e, ao mesmo tempo, pauta a ideia de que a vida não é só trabalho. Nosso desafio é fazer com que esse tipo de mobilização caiba na vida do povo trabalhador, porque aqui às vezes as pessoas me falam assim: “Ah, mas na hora de mobilizar não mobilizou”. Mas será que a nossa expectativa de participação não é enviesada? Houve consequências práticas. O Rick [Azevedo, fundador do movimento] foi eleito, Lula o incorporou na sua agenda. Se isso não é consequência, o que é?

Sim, eu pretendo voltar a ter um partido

CC: O projeto da anistia tem avançado via relaxamento das penas, como você vê essa proposta? E a possibilidade de ter Bolsonaro livre?

MD: Estamos avançando na percepção de que tentaram perpetrar um golpe de Estado, e as pesquisas mostram que a população tem se colocado progressivamente contra a anistia. Mas, para mim, essa ainda é uma agenda em torno deles. Diferente do VAT, que é uma agenda em torno do que nós podemos pensar para o Brasil e para o mundo. É importante é que a gente não se iluda achando que a força de Bolsonaro só se materializa com ele anistiado.

A ex-deputada Manuela D’Ávila durante o Festival MEL. Foto: Danillo Santana/Bancada Feminista do PSOL

CC: Há anos o campo progressista discute formas de coibir a violência política, sobretudo contra mulheres. Algo mudou?

MD: A gente não faz o dever de casa. O parlamento brasileiro jamais puniu efetivamente um parlamentar que reproduz violência política de gênero e raça. Nós sempre banalizamos essa violência nos espaços institucionais brasileiros.

Um primeiro gesto de compromisso com o fim da violência política de gênero, com o fim dos conteúdos que performam o tal machismo publicitário, é que os códigos de ética dos parlamentos de todos os níveis sejam revistos. E que considerem que esse tipo de prática atenta contra aquilo que o parlamento reconhece como digno de alguém que ocupa aquela cadeira.

CC: Você liderou recentemente o Festival Mulheres em Luta. Faltava um espaço assim no Brasil? Qual foi o saldo?

MD: O saldo foi absolutamente positivo. Nós ouvimos 3 mil mulheres e 350 parlamentares de oito partidosO evento reafirmou a necessidade da articulação de agendas comuns, que borrem as distâncias impostas pelos partidos. Respeitando a organização partidária das mulheres e as suas escolhas, conseguimos tecer uma agenda comum – de luta, de reafirmação da importância das mulheres para que a gente derrote a extrema-direita.

Além disso, ousamos imaginar uma agenda proposta pelas mulheres, uma agenda que enfrente os temas relacionados ao mundo do trabalho, uma agenda que passe pela emergência climática. Reafirma na minha interpretação a necessidade do exercício dessa frente ampla, e da disputa do conteúdo da frente ampla, a partir de baixo, dos movimentos sociais, dos espaços de acúmulo social das mulheres brasileiras.

CC: Depois de oito eleições e vários mandatos, você se desfiliou do PCdoB e está sem partido. Pretende voltar à política institucional?

MD: Uma coisa é o fato de eu ter saído do PCdoB, outra coisa é o fato de eu não ter concorrido à eleição. Nunca disse que deixaria de disputar institucionalmente, apenas renunciei a disputar uma eleição, e por razões bem claras: o volume de violência contra mim e a minha família.

Ter partido é uma coisa da qual eu sempre me orgulhei, acredito que a política partidária é a forma de disputa da política mais avançada. Então, sim, eu pretendo voltar a ter um partido. Não me orgulho de não ter um partido, não faço discurso anti-partido. E não relaciono uma coisa a outra. Ou seja, eu posso me filiar a um partido e não concorrer à eleição, porque eu acredito na necessidade de organização política.



Por:Carta Capital

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